A CNN esteve, em direto, durante o dia 27 de janeiro nos jardins do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa (IHMT NOVA), onde recebeu diversos especialistas para refletir sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o atual estado da pandemia. A repórter Cátia Nobre abriu esta emissão especial no jornal do Meio-Dia, assinalando que apesar do instituto comemorar 120 anos dedicados à medicina tropical, a missão dos cientistas e médicos que aqui trabalham centra-se hoje numa visão global da saúde.
O diretor do IHMT NOVA, Filomeno Fortes, entrevistado em direto pelo jornalista Pedro Belo Moraes, alertou que “é muito importante antecipar cenários”, lembrando que a Organização Mundial de Saúde (OMS) se atrasou na declaração de pandemia no que respeita ao vírus SARS-Cov-2. Filomeno Fortes considera que temos de ser mais rápidos a compreender as ameaças, “porque quanto mais nos atrasarmos a declarar a pandemia mais tarde começamos a tomar medidas preventivas, mais tarde começamos com investigação científica, mais tarde começamos com a mobilização comunitária que é fundamental para o controle de qualquer pandemia”.
O diretor do instituto salientou que esta foi desde logo uma “pandemia do medo” que lançou uma espécie de “anarquia a nível mundial”. “Deveríamos ter tido em conta, logo o início, que as condições geográficas, demográficas, climáticas, sociais, económicas, políticas e financeiras não são iguais neste mundo globalizado em que vivemos, mas que não está assim tão globalizado. Na Europa a população está envelhecida e uma pandemia como esta teria consequências na população idosa, ao contrário do que acontece em África ou nos países da América Latina”, afirmou.
Filomeno Fortes acrescentou ainda que o IHMT NOVA tem como prioridade o futuro, realçando uma iniciativa transversal da Universidade NOVA que é chave para melhor responder no futuro a eventuais pandemias: a epidemiologia molecular. “A epidemiologia diz-nos como é a doença, como está distribuída, quem está a afetar, mas não nos dá dados imediatos de como o vírus se está a transformar, o que é dado pela componente molecular” que permite perceber a “dinâmica de transformação genética do próprio vírus”. O desenvolvimento desta área vai permitir aos cientistas ter projeções muito mais precisas para o futuro. “Estamos a preparar tudo para lançar esta iniciativa em Portugal nos próximos meses, estamos a trabalhar com a CPLP, a preparar um Workshop em Angola para os países africanos e pensamos evoluir para o mestrado em epidemiologia molecular”.
Jaime Nina, infeciologista do Hospital Egas Moniz e professor do IHMT NOVA, lembrou em entrevista à CNN que este “é um vírus novo e por isso não existia nenhuma imunidade prévia na população humana”, salientando que o número de mortes por COVID-19 em Portugal ainda é elevado, embora tenha diminuído muito relativamente ao mesmo período do ano passado. “Quase 90 por cento da população portuguesa está vacinada e ainda que as vacinas não sejam suficientemente potentes para evitar a transmissão do vírus têm aliviado o espetro de gravidade. A média da gravidade dos doentes é muito menor do que era há um ano, o número de internamentos é muito inferior, o número de doentes em cuidados intensivos é bastante inferior e o número de mortes é bastante inferior”, acrescentou.
“O vírus veio para ficar, uma coisa é haver o vírus, a outra é existir um surto epidémico, aos poucos e poucos vai passando a doença endémica, como é a gripe”, defendeu o infeciologista Jaime Nina.
Também o virologista Paulo Paixão considera que devemos ser prudentes, realçando que ainda é prematuro falar de uma imunidade generalizada. O presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia e professor da NOVA Medical School explicou que não se pode falar de endemia quando ainda morrem 40 pessoas com COVID por dia em Portugal, mas acredita que antes do verão a situação estará controlada na Europa. “Se vai haver desaparecimento da pandemia em todo o mundo já pode ser mais difícil de garantir”, afirmou.
O médico intensivista António Pais Martins, coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital São Francisco Xavier, o primeiro entrevistado da emissão especial da CNN no IHMT NOVA – que teve início ao 12h00 e terminou por volta das 17h00 – alertou que à data de 27 de janeiro na região de Lisboa e Vale do Tejo existem 53 doentes internados, sendo que cerca de 20% estão internados com teste PCR positivo, mas por outros motivos de doença e não pela gravidade de pneumonia COVID.
“Em todos os hospitais da região de Lisboa e Vale do Tejo houve um importante incremento do número de camas nos cuidados intensivos, sendo que em 2020 o número de camas por 100 mil habitantes em Portugal era de 4.6 camas por 100 mil habitantes, estando agora em 9.5 camas por 100 mil habitantes, sendo a média europeia de 11.5 camas por 100 mil habitantes”, esclareceu.
No IHMT NOVA esteve também o médico Alexandre Valentim Lourenço, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, que salientou a falta de condições de trabalho dos médicos, uma situação “mascarada” pela pandemia, mas que “tornou visível aos olhos dos portugueses que é difícil tratar os doentes normais e reagir a uma pandemia”. O médico referiu também o cansaço e a saída dos profissionais de saúde do SNS, sublinhando que é necessário investir para melhorar os hospitais.
Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da saúde e comentador CNN, defendeu que devemos trabalhar para um “futuro sustentado” e por isso deve existir “vontade política de todas as forças políticas para melhorar” a saúde em Portugal.
“O caminho faz-se caminhando e eu diria que no final da primavera, início do verão, será o tempo em que nos vemos livres desta situação extrema, até lá é preciso gerir a situação com prudência”, defendeu.
Fernando Leal da Costa, outro ex-ministro da Saúde entrevistado nos jardins do IHMT NOVA, considera que o SNS tem quatro grandes desafios: “garantir o acesso das pessoas aos cuidados de saúde, com os meios complementares de diagnóstico necessários; ser capaz de captar e manter os profissionais; conseguir que as estruturas respondam aos desejos da população e desses profissionais e continuar a senda na redução da carga de doença que é o grande objetivo do SNS e da saúde em Portugal”.