A afirmação foi proferida por Cláudia Conceição durante o webinar intitulado “Viver em Segurança com a COVID-19”. Contando também com a participação de Ricardo Parreira, o encontro online teve como objetivo esclarecer as medidas preventivas para diminuir a probabilidade de infeção por SARS-CoV-2 sob o ponto de vista ocupacional e laboratorial, respetivamente, num debate moderado pela subdiretora do IHMT-NOVA Filomena Martins Pereira e pelo secretário-geral da APAH Miguel Lopes.
“Os cuidados no trabalho com vírus podem ser genericamente aplicados”
Ricardo Parreira, virologista e professor do IHMT-NOVA começou por clarificar que “os cuidados existentes no trabalho com vírus podem ser genericamente aplicados independentemente das suas características”, variando a abordagem laboratorial na medida em que o vírus seja “patogénico, ou não”, seja “virulento ou menos virulento” e se “nos coloca maior ou menor risco”.
Este risco é definido com base em parâmetros como ”o número de infeções laboratoriais registadas, dose infecciosa e taxa de mortalidade associada”, parâmetros estes que ainda “não são conhecidos no caso da COVID-19”. O “potencial à transmissão” assim como “a existência e a eficácia de medidas de prevenção da doença” são também parâmetros a considerar, destacando o virologista a importância da “estabilidade do agente infeccioso” quando exposto a diversos factores ambientais – humidade, temperatura e exposição a UV – ou a agentes químicos desnaturantes, oxidantes, ou solventes.
Entres estes agentes, vulgarmente designados “compostos desintecfantes”, destaca-se um conjunto de compostos “particularmente eficazes” na eliminação dos vírus. “Os alcoóis, compostos quaternários de amónia e os derivados de bis-bisguanida possuem uma ação solubilizante de lípidos”, tendo por isso capacidade de “danificar a estrutura do invólucro lipídico dos coronavírus, diminuindo ou reduzindo a zero o seu potencial infeccioso”, explicou o também membro da Comissão de Saúde Ocupacional, Biossegurança e Qualidade (CoSOBQ) do IHMT-NOVA.
Os comportamentos vão depender “da resistência destes vírus do ponto de vista ambiental e da forma como se transmitem”, afirmou Ricardo Parreira acrescentando que além da “componente de transmissão aérea” existe “o contacto com superficies potencialmente contaminadas”, sublinhando que “a capacidade de infecciosidade nos diferentes tipos de superfícies é diferente”.
O risco de manipulação de agentes patogénicos é classificado em 4 classes de acordo com “a severidade da doença, o risco para quem manipula e o risco para a comunidade”. Segundo o consenso internacional, “o SARS-CoV-2 é considerado um vírus do grupo de risco 3” e “pode ser manipulado em ambiente contenção biológica de nível 2 (BSL2) ou de nível 3 (BSL3), dependendo do potencial à exposição”, frisou.
Embora a conduta a adoptar para “viver em segurança e para evitar uma infeção” em ambiente laboratorial/hospitalar ou na comunidade seja semelhante, as especificidades em contexto laboratorial residem na “possibilidade de implementação de uma série de barreiras primárias e secundárias, que nos protegem deste contacto mais próximo com este agente infeccioso”, e no qual o tipo de manipulação a realizar “condiciona as características dos espaços laboratoriais”.
Desta forma, “para a manipulação que não implique crescimento propagativo de vírus, mas que envolva a deteção de ácidos nucleicos, sugere-se laboratório BSL2”, um espaço que requer acesso restrito, sinalética própria e a existência de câmaras de fluxo laminar permitindo “trabalhar com uma proteção adicional”.
Todas as manipulações que envolvam “a propagação deliberada do vírus” devem ser executadas em laboratórios BSL3, cujas infrastruturas são construídas com base nos BSL2 com a adição de “um acesso mais restrito, condicionado pela existência de antecâmaras, de sistemas de ventilação de ar condicionado sem recirculação, pressão negativa, câmaras de segurança biológica”, sendo ainda importante “a existência de um sistema de autoclave que permite a eliminação do potencial infeccioso dos resíduos antes que eles saiam do laboratório”, detalhou o virologista. “Máscaras, viseiras, óculos de proteção, duplo par de luvas, protetores para os sapatos e para o cabelo, e bata descartável sobre outra bata” constituem o equipamento de proteção individual (EPI) utilizado em contexto BSL3, sublinhando-se ainda que “existe uma ordem de colocação e remoção própria deste equipamento que deve ser respeitada”.
Terminando a sua intervenção, Ricardo Parreira alertou para o facto de que “os aerossóis depositam-se por todas as infraestruturas hospitalares e, ao levar consigo particulas virais infecciosas, vão expor ao contacto com as superfícies as pessoas menos cautas”. Desta forma, apela ao “respeito pela utilização compulsiva de máscaras e da higienização das superfícies em particular” na medida em que, mesmo em contexto hospitalar, “contribui significativamente para a diminuição do perigo de infecção”.
As medidas de prevenção “decorrem do conhecimento que temos das formas de transmissão da doença”
No contexto ocupacional, Cláudia Conceição, especialista em Medicina Interna e professora no IHMT, afirmou que “é preciso que as pessoas percebam bem como se transmite a doença, porque para muitas situações práticas da vida não existe um manual que diga qual é a melhor maneira de se defender”. Desta forma, abordou as medidas fundamentais para a prevenção da propagação do vírus SARS-CoV-2 – distanciamento social, higiene das mãos e espaços comuns, etiqueta respiratória – ao nível das organizações, medidas estas que “decorrem do conhecimento que temos das formas de transmissão da doença”.
De acordo com a especialista, o distanciamento social pretende “diminuir a probabilidade de termos uma via directa de transmissão por gotículas respiratórias”, sendo o isolamento e a quarentena “as duas formas extremas de distanciamento social”. O isolamento consiste no “confinamento da pessoa infectada”, enquanto que a quarentena prevê “a vigilância com restrição muito severa de contactos, para tentar quebrar aí a cadeia de transmissão”, explicou.
Neste sentido, a “diminuição da capacidade do espaço” e a “utilização de sinalética e barreiras físicas” são “muito importantes para ajudar as pessoas a manter a distância”. Contudo a especialista considera “fundamental” que os trabalhadores compreendam as razões destas medidas pois, caso contrário, “não vão conseguir aderir nem explicar aos utilizadores a razão de ser destas medidas”.
É necessário ajudar as diferentes organizações a “pensar em medidas para aconselhar nos vários passos da situação epidemiológica, e estabelecer o que deve ser feito em cada altura”
A lavagem das mãos é das medidas “mais importantes” para travar a transmissão de infeções, pelo que as organizações têm que “garantir que há condições para lavagem das mãos” assim como “prever no plano habitual de limpeza a reposição de soluções de lavagem das mãos e a desinfeção frequente dos sítios onde as pessoas colocam as mãos com frequência” – tais como os corrimãos e os puxadores das portas – , e “a colocação de solução antisséptica de base alcoólica em locais estratégicos”, incentivando a utilização de sinalética. Também a limpeza dos espaços públicos é importante, referindo a especialista que os documentos disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde sobre esta matéria “podem ser úteis tanto para as diferentes organizações como para as pessoas que estão em isolamento domiciliar”.
“Estas medidas são príncipios da promoção da saúde: criar um ambiente que facilite a escolha que é adequada, que nos vai fazer melhor e ter menos doença”
Outra medida “absolutamente fundamental” no combate à transmissão dos vírus reside na “etiqueta respiratória”. A especialista em Saúde Internacional considera que é necessário intervir na mudança de hábitos como “tossir para para um lenço de papel e não para as mãos, descartando imediatamente o lenço”, e promover a “educação para a saúde”, uma prática que “vai trazer rentabilidade em muitas infeções de origem respiratória”.
Durante a sua intervenção, Cláudia Conceição referiu a utilização das máscaras comunitárias “como medidas complementares”. Estas máscaras vão contribuir para “a proteção dos outros”, uma vez que a sua principal função é “conferir uma barreira e diminuir a dispersão das secreções respiratórias do próprio que ficam a contaminar o ambiente”, explicou a também membro da CoSOBQ.
“A máscara social deve a ser usada com base no conceito altruísta de proteção do próximo”
Esta é uma medida que surge do conhecimento de “uma quantidade não negligenciável de pessoas portadoras assintomáticas do vírus”, pelo que deve ser utilizada máscara comunitária “sempre que não haja possibilidade de manter uma distância social de segurança”, como por exemplo nos transportes públicos, local em que esta medida é obrigatória em Portugal.
Dada a maior eficácia na retenção de secreções respiratórias do próprio e na proteção de ameaças externas, as márcaras cirúrgicas também têm algumas indicações para utilização na comunidade”, designadamente pessoas com infeções respiratórias, pessoas com COVID-19 em isolamento domiciliar e os seus cuidadores, e doentes imunossuprimidos. Salvo as indicações, dado o carácter global da pandemia e o seu impacto no mercado mundial, Cláudia Conceição defende que “a máscara cirúrgica deve ser prioritária para utilização em contexto de prestação de cuidados de saúde”, sublinhando que “o uso indevido fará com que não haja máscara onde ela é comprovadamente necessária”.
Adicionalmente, “não há qualquer indicação para a utilização das luvas e viseiras” ao nível comunitário. Devido ao poder de reutilização e fácil limpeza, as viseiras são “vulgarmente utilizadas” por várias classes ocupacionais, como por exemplo nos estabelecimentos de atendimento ao público. Todavia a especialista esclarece que “as viseiras foram concebidas para porteger os olhos e, por isso, usar uma viseira não é igual a usar uma máscara”.
Finalizando a sua intervenção, Cláudia Conceição referiu que as organizações devem ainda incentivar os trabalhadores que estejam doentes a “entrar em contacto telefónico com as unidades de saúde antes de sair de casa”, para que se desloquem aos cuidados de saúde apenas quando necessário e de acordo com as orientações facultadas.
Saiba mais sobre o tema e assista à discussão destes tópicos no vídeo do webinar.