Neste Dia Mundial do Refugiado, destacamos o recente editorial da revista The Lancet sobre a saúde dos migrantes e refugiados, no qual se discute a incerteza quanto à futura atribuição de prioridades aos cuidados de saúde destes grupos vulneráveis. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(25)01245-0/fulltext
Neste Editorial os autores referem que a migração global é uma realidade inegável e crescente, com uma em cada oito pessoas em todo o mundo a deslocar-se atualmente. Esta tendência é impulsionada por vários fatores, nomeadamente económicos, políticos, demográficos, ambientais e socioculturais. Uma tendência significativa e alarmante é o aumento recorde das deslocações forçadas, com 122,6 milhões de pessoas deslocadas à força até meados de 2024 devido a conflitos, violência, perseguições e violações dos direitos humanos. As alterações climáticas são também um fator importante, prevendo-se que mais de 216 milhões de pessoas sejam deslocadas internamente até 2050.
Também salientam o facto de se terem registado progressos no âmbito do sistema das Nações Unidas, em especial pela OMS, no que se refere à abordagem da saúde dos migrantes e dos refugiados. Estes progressos incluem a adoção de resoluções pela Assembleia Mundial, o primeiro plano de ação global (GAP) em 2019 e a criação do programa Saúde e Migração da OMS em 2020. A OMS tem sido crucial no reconhecimento da migração como um fator determinante da saúde, defendendo uma governação inclusiva e ajudando os Estados-Membros a criar sistemas de saúde que respondam às necessidades dos migrantes.
No entanto, segundo os autores, existe a preocupação de que o programa da OMS dedicado à saúde e migração possa ser eliminado ou significativamente enfraquecido devido a uma proposta de reestruturação organizacional. Um documento interno sugere que toda a divisão responsável pelo programa, a “Divisão de Populações Mais Saudáveis”, foi eliminada. Embora a OMS afirme que a abordagem final “ainda está a ser considerada”, a perda deste programa representaria um retrocesso significativo para a equidade global no que se refere à saúde, sobretudo tendo em conta a crescente xenofobia, os retrocessos políticos e o aumento das deslocações. A OMS desempenha um papel vital na definição de normas e na liderança moral no que se refere à saúde dos migrantes, especialmente dos grupos vulneráveis, como os indivíduos sem documentos e os que se encontram em deslocações prolongadas. O texto destaca as realizações passadas da OMS neste domínio e insta a agência a continuar e mesmo a intensificar o seu empenho na saúde dos migrantes.
Os autores relembram ainda que os migrantes contribuem significativamente para a prosperidade económica, o desenvolvimento e o enriquecimento das comunidades, pelo que a sua saúde é crucial para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, incluindo a cobertura universal de saúde e a segurança sanitária mundial. A saúde é um direito humano fundamental e os governos têm o dever de oferecer asilo aos que fogem da violência. Por conseguinte, a migração exige respostas compassivas e sistémicas, sobretudo por parte dos países com rendimentos elevados. Apesar destes argumentos claros, o sentimento público em muitas nações continua cético ou hostil em relação à imigração, muitas vezes alimentado por narrativas negativas nos meios de comunicação social.
O Editorial termina referindo que esta desconexão representa um grande desafio para melhorar a saúde dos refugiados e dos migrantes. A comunidade mundial da área da saúde tem de encontrar formas de alterar estas narrativas negativas ou aprender a funcionar eficazmente apesar delas. A desconsideração da migração e da saúde no âmbito do sistema das Nações Unidas seria altamente prejudicial para estes esforços.
O IHMT-NOVA tem tido preocupações constantes com esta temática que está referenciada nas áreas de investigação estratégicas do Centro de Investigação e Desenvolvimento- GHTM, nomeadamente através do projeto financiado pela FCT (PTDC/SAU-SER/4664/2020) :
Determinantes e necessidades de saúde das crianças migrantes num contexto de pandemia: Um estudo longitudinal para a Região de Lisboa e Vale do Tejo. Veja aqui algumas conclusões deste projeto pioneiro em Portugal que estuda a saúde das crianças migrantes e refugiadas na região de Lisboa:
M. Rosário Oliveira Martins.