As crianças imigrantes de primeira geração têm um risco acrescido de problemas emocionais e comportamentais e são mais vulneráveis a perturbações de saúde mental, conclui um estudo realizado na Amadora. “Se compararmos duas crianças do mesmo sexo, que pertençam a famílias com iguais rendimentos, onde os pais têm níveis de educação idênticos, a criança imigrante de primeira geração tem uma probabilidade 2,5 vezes maior de vir a desenvolver problemas de saúde mental”, disse, em declarações à agência Lusa, Maria do Rosário Oliveira Martins, do Instituto de Medicina e Higiene Tropical (IHMT) da Universidade Nova de Lisboa.
Tendencialmente, estas crianças não verbalizam essas dificuldades, o que pode potenciar quadros futuros de depressão e ansiedade. “As crianças que guardam tudo, que internalizam os problemas, têm a tendência de acabar deprimidas, enquanto as que exprimem insatisfação tendem a desenvolver hiperatividade e agressividade”, apontou, por seu lado, Thierry Mertens, professor convidado do IHMT e especialista em saúde global. “Claramente, a tendência para as crianças da imigração é de internalizar os sentimentos”, acrescentou.
Zélia Muggli, pediatra e coordenadora do trabalho de campo do projeto, sublinhou que as crianças são expostas a “situações de stresse” relacionadas com as condições de vida no país de origem, os fatores culturais, o trajeto até ao destino e a forma como é feita a sua adaptação e a integração.
A abordagem à saúde mental das crianças insere-se num projeto mais abrangente do IHMT que, em colaboração com os nove centros de saúde da Amadora e o Hospital Amadora Sintra, está a fazer o seguimento da saúde de 420 crianças.
Resumo:
“Os primeiros dados, recolhidos entre junho 2019 e março de 2020, mostram um padrão de desigualdades sociais e de saúde mental, com as crianças imigrantes em desvantagem: pertencem mais frequentemente a famílias de baixos rendimentos, com pais com empregos mais precários e a fazer trabalhos pouco qualificados; os resultados do questionário de Capacidades e de Dificuldades (SDQ) mostram que as crianças imigrantes, sobretudo as de 1ª geração têm um risco acrescido de ter problemas emocionais e comportamentais e como tal são mais vulneráveis a problemas de saúde mental.
Por exemplo, se compararmos duas crianças do mesmo sexo, que pertençam a famílias com iguais rendimentos, onde os pais têm níveis de educação idênticos, a criança imigrante de 1ª geração tem uma probabilidade 2,5 vezes maior de vir a desenvolver problemas de saúde mental, quando comparada com a crianças nativa. Ou seja, mesmo tendo em conta outros fatores socioeconómicos, as crianças imigrantes continuam a apresentar uma maior vulnerabilidade a problemas de saúde mental.
Também sabemos de um outro estudo recente que estas famílias imigrantes residem em casas mais sobrelotadas e que, contrariamente nativas, 20% referem não ter um espaço em casa para que os seus filhos tenham aulas à distância. Este resultado é consistente com estudos internacionais que referem que o fecho das escolas pode criar enormes desigualdades nas crianças e exacerbar as vulnerabilidades já existentes.
Fechar as escolas em tempos de pandemia exige que não se deixe ficar para trás os mais frágeis como são estas crianças. A falta de seguimento das crianças hoje, poderá vir a ter consequências prejudiciais na sua saúde, no medio e longo prazo, com efeitos por vezes irreversíveis.”
Nota:
1.O questionário de Capacidades e de Dificuldades (SDQ) que foi aplicado a estas crianças avalia a ocorrência de determinados comportamentos que têm sido associados aos problemas de conduta, hiperatividade, sintomas emocionais e problemas na relação com os pares. Pode ser visto como um instrumento para identificação de problemas de saúde mental.
2. As crianças imigrantes representam 52% da amostra. São sobretudo famílias oriundas de Cabo-Verde, Brasil, Angola, Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe.