O encerramento do primeiro ciclo do Programa de Mestrado em Epidemiologia de Campo – Cabo Verde (FETP-CV) foi assinalado por um programa académico abrangente, desenvolvido ao longo de seis dias, de 9 a 14 de julho de 2025, na cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, em Cabo Verde. O seminário decorreu no emblemático edifício do Liceu Velho, que acolheu representantes institucionais, docentes, investigadores e os quinze alunos do mestrado oriundos de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Sob o tema “Produção Científica e Transição para Novos Desafios”, o evento celebrou não apenas a conclusão de uma etapa formativa de elevada exigência, mas também a consolidação de uma estratégia de reforço das capacidades em saúde pública, promovendo o intercâmbio académico e científico entre os países da lusofonia africana, com enfoque na epidemiologia de campo como instrumento fundamental de resposta a desafios sanitários contemporâneos.
Este mestrado é resultado de um consórcio interinstitucional que integra cinco Institutos Nacionais de Saúde Pública africanos, cinco instituições académicas — entre elas o Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade NOVA de Lisboa (IHMT-NOVA), que assumiu a coordenação científica e pedagógica do projeto — e cinco centros de investigação, numa aliança que conjuga excelência académica, pertinência contextual e diversidade geográfica. Como nos outros PALOP, este mestrado, integrado no Programa Nacional de Epidemiologia de Campo coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Pública de Cabo Verde, é o nível mais exigente dos três níveis de formação de epidemiologistas de campo: básico, intermédio e avançado.
O curso contou com apoio financeiro da European and Developing Countries Clinical Trials Partnership (EDCTP), da Africa Centres for Disease Control and Prevention (Africa CDC) e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), assegurando as condições institucionais adequadas à execução de uma formação pós-graduada de elevada qualidade. O projeto foi liderado no GHTM pelo Prof. Doutor Mohsin Sidat (GHTM/IHMT-NOVA), com a coordenação do Prof. Doutor António Pedro Delgado (Universidade de Cabo Verde – UniCv) e do Professor Doutor Paulo Ferrinho (GHTM/IHMT-NOVA e UniCV) e orientação pedagógica da Prof. Doutora Iniza Araújo (GHTM/IHMT-NOVA e UniCV).
Dia 1: Sessão de Abertura, Apresentação de Dissertações, Comunicação de Ciência e Discussão Temática
O primeiro dia do seminário teve início com a intervenção do Prof. Doutor António Pedro Delgado, coordenador do projeto em Cabo Verde, que apresentou os objetivos gerais e o programa da semana de encerramento, dando o mote para um ciclo de atividades marcadas pelo entusiasmo e pelo compromisso académico.
Seguiu-se a defesa pública de dissertações de mestrado que evidenciaram a aplicabilidade prática dos trabalhos desenvolvidos, nomeadamente nas áreas das doenças preveníveis por vacinação (Dra. Vanessa Besna), da análise epidemiológica da dengue em São Tomé e Príncipe (Dra. Celdidy Monteiro) e do surto de dengue em Cabo Verde (Dra. Evily Martins). A parte da tarde foi dedicada à comunicação estratégica em saúde pública, numa sessão teórico-prática conduzida pela Doutora Sofia Rodrigues (IHMT NOVA), com a participação do Prof. Doutor Mohsin Sidat, onde se destacou o papel da comunicação de ciência como vetor de tradução da evidência para ação política e institucional. Foram abordadas metodologias de escrita de policy briefs e desenvolvida uma atividade prática de redação, a partir dos temas das dissertações dos estudantes.
O dia encerrou com uma ronda de apresentações científicas em formato de pitch académico, subordinadas a temas atuais e estruturantes para a saúde pública — HIV/SIDA, resistência aos antimicrobianos, abordagem One Health, doenças transmitidas por vetores e vacinação — moderadas pela Doutora Maria da Luz Lima, Prof. Doutora Ana Abecasis, Doutor Adilson de Pina, Prof. Doutora Marta Pingarilho e Doutor Bonifácio Sousa.
Dia 2: Perspetivas Interdisciplinares sobre Epidemias, Publicação Científica e Avaliação do Programa Formativo
O segundo dia do seminário foi marcado por uma abordagem interdisciplinar e participativa, dedicada à valorização das ciências sociais e ao fortalecimento da competência científica dos mestrandos. A manhã teve início com a sessão conduzida pela Prof. Doutora Celeste Fortes, dedicada ao papel das ciências sociais no combate às epidemias. Através de uma dinâmica de encenação centrada na pandemia de covid-19, docentes e estudantes organizaram-se em grupos para preparar e apresentar simulações que recriaram desafios e decisões enfrentadas em contextos de crise sanitária. Esta atividade, fortemente participativa, promoveu uma reflexão crítica sobre os fatores socio comportamentais que influenciam a resposta às epidemias, realçando a importância da empatia e da comunicação eficaz na saúde pública.
A tarde foi dedicada à sessão teórico-prática sobre publicação científica, dinamizada pela Professora Doutora Maria do Rosário Martins (GHTM/IHMT NOVA), com o contributo das Prof. Doutoras Ana Abecasis e Marta Pingarilho. A sessão abordou os principais requisitos para a redação e submissão de artigos científicos, apresentando ferramentas práticas e orientações estruturadas para apoiar os autores na elaboração de manuscritos com qualidade e impacto. Reforçou-se a ideia de que, atualmente, existem recursos acessíveis que facilitam significativamente o processo de publicação.
Ainda neste dia, realizou-se a defesa de dissertação do mestrando David Cá, intitulada “Fatores de risco associados à ocorrência da tuberculose multirresistente (TBMR) no Hospital Raoul Follereau, Guiné-Bissau”, contribuindo com evidência relevante para a vigilância epidemiológica e controlo da doença.
A jornada encerrou com a sessão “Panorama do Mestrado em Epidemiologia de Campo – Cabo Verde”, dirigida pelo Prof. Doutor Mohsin Sidat e moderada pela Prof. Doutora Iniza Araújo, que promoveu um espaço de diálogo entre alunos e docentes. Em grupos distintos, os participantes partilharam experiências, destacaram os aspetos positivos da formação e formularam recomendações para o aperfeiçoamento futuro do programa, reforçando o compromisso coletivo com a qualidade e sustentabilidade do projeto académico.
Dia 3: Perspetivas Estratégicas sobre Formação Avançada e Inserção Profissional
O terceiro dia do seminário foi dedicado à reflexão estratégica sobre o futuro da formação em epidemiologia de campo nos países da CPLP, através da mesa-redonda moderada pela Professora Doutora Maria do Rosário Martins. A sessão reuniu representantes institucionais de Moçambique (Professor Doutor Jahit Sacarlal), Angola (Prof. Doutora Tazi Nimi), Brasil (Mestre Magda Duarte), Portugal (Professora Doutora Maria do Rosário Oliveira Martins), Cabo Verde (Prof. Doutor António Delgado), São Tomé e Príncipe (Doutor Bonifácio Sousa) e Guiné-Bissau (Mestre Salomão Crima).
O debate abordou temas como os desafios específicos enfrentados por pequenos espaços insulares, o papel da inteligência artificial na investigação epidemiológica — com referência ao trabalho desenvolvido no IHMT-NOVA — a saúde mental em situações de emergência e surtos, e as desigualdades regionais no acesso à formação e à resposta sanitária. De forma transversal, destacou-se o impacto transformador que a formação avançada derivada do mestrado pode ter na produção de conhecimento científico e na prontidão nacional para responder a emergências saúde pública.
Ainda neste dia, foi realizada a defesa da dissertação da mestranda Jéssica Vicente, intitulada “Evolução temporal da Epidemia do VIH/SIDA entre 2016 e 2023 em São Tomé e Príncipe”, sob orientação da Prof. Doutora Ana Abecasis e arguência da Prof. Doutora Marta Pingarilho, contribuindo com dados relevantes para o aprofundamento da vigilância epidemiológica da infeção pelo VIH na sub-região.
A tarde prosseguiu com a mesa-redonda “Academia vs. Mercado de Trabalho”, moderada pelo Mestre Salomão Crima, que proporcionou um debate enriquecedor sobre as oportunidades e desafios na articulação entre formação académica e integração profissional. A sessão contou com intervenções do Professor Doutor Jahit Sacarlal (Moçambique) e da Doutora Joana Morais (Angola), que apresentaram as suas experiências institucionais e modelos de desenvolvimento profissional. Seguiram-se os contributos da Doutora Maria da Luz Lima (Cabo Verde), Doutor Bonifácio Sousa (São Tomé e Príncipe) e do próprio moderador, Mestre Salomão Crima (Guiné-Bissau), que partilharam iniciativas locais e propostas para fortalecer a ligação entre o ensino superior, a produção científica e as necessidades dos sistemas de saúde. O debate reforçou o papel do epidemiologista como agente de transformação nas instituições de saúde pública.
Dia 4: Visita de estudo à Ilha de Santo Antão
O quarto dia do seminário foi dedicado a uma visita de estudo à ilha de Santo Antão, orientada pelo Prof. Doutor António Pedro Delgado, coordenador do mestrado e natural da região, que delineou um percurso alinhado com os objetivos pedagógicos da formação. A iniciativa proporcionou aos participantes uma imersão direta na realidade dos serviços de saúde locais, através da visita aos Centros de Saúde de Porto Novo e ao Hospital Dr. João Morais, na Ribeira Grande. Durante a visita, os participantes tiveram a oportunidade de conhecer o Hospital Dr. João Morais com maior detalhe, através de um enquadramento explicativo sobre o seu funcionamento. Já no Centro de Saúde de Porto Novo, a passagem foi mais breve e limitada à observação exterior, permitindo apenas uma contextualização geral. A atividade incluiu também momentos de interação informal entre os participantes, favorecendo o estreitamento de laços institucionais e interpessoais, e foi enriquecida com uma contextualização histórica e cultural que reforçou o papel da epidemiologia de campo como instrumento de intervenção ajustado às dinâmicas locais.
Dia 5: Encontro de Encerramento e Convívio Institucional
O quinto dia do programa foi reservado a um momento de pausa institucional e de convivência informal entre os participantes. O destaque recaiu sobre o jantar de encerramento, que reuniu os principais representantes do projeto, incluindo docentes, tutores, mestrandos e parceiros institucionais. Este encontro privilegiado permitiu fortalecer os laços académicos e interpessoais desenvolvidos ao longo da formação, criando um ambiente propício à troca de experiências e ao reforço da colaboração internacional. Num contexto marcado pela diversidade geográfica e institucional, este momento social assumiu particular importância como expressão do espírito colaborativo que sustenta o Mestrado em Epidemiologia de Campo.
Dia 6 – Redação Científica, Reconhecimento Institucional e Celebração de Encerramento
O sexto e último dia do seminário marcou um momento solene e simbólico no encerramento da primeira edição do Mestrado em Epidemiologia de Campo – Cabo Verde. O dia iniciou-se com uma sessão teorico-prática sobre redação científica, conduzida pela Professora Doutora Maria do Rosário Oliveira Martins (IHMT NOVA), com o apoio da Doutora Sofia Rodrigues (IHMT NOVA), dedicada à transformação das dissertações dos mestrandos em artigos científicos publicáveis. A sessão destacou estratégias metodológicas rigorosas e o uso de ferramentas de inteligência artificial, como Gemini e DeepL, como facilitadores na elaboração e adaptação dos textos científicos. Como incentivo à produção científica, foi anunciada a possibilidade de publicação numa edição especial dos Anais do IHMT, dedicada exclusivamente aos trabalhos dos estudantes.
A cerimónia de entrega de certificados consagrou oficialmente o percurso formativo dos quinze alunos de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, e foi seguida por uma sessão de encerramento institucional repleta de reconhecimento, emoção e visão estratégica para o futuro.
Na sua intervenção durante a sessão de encerramento, o Professor Doutor Paulo Ferrinho expressou palavras de reconhecimento e profundo incentivo aos mestrandos, sublinhando que este curso representa muito mais do que a conclusão de um ciclo académico — simboliza a consolidação de um compromisso conjunto com a saúde pública global, sustentado na perspetiva de Uma Só Saúde. Destacou o papel estratégico do consórcio liderado pelo IHMT-NOVA e pela Universidade de Cabo Verde, salientando o envolvimento ativo dos Institutos Nacionais de Saúde Pública dos países lusófonos e o alinhamento do programa com os planos nacionais de epidemiologia de campo. Enalteceu ainda a relevância do mestrado como uma ferramenta de resposta qualificada a surtos e emergências sanitárias e dirigiu-se aos diplomados com uma mensagem mobilizadora: “Vocês são agora guardiões deste saber e agentes de transformação.” Apelou a que assumam com coragem e ética o papel de sentinelas da saúde pública nos seus países, confiando na formação sólida que receberam e no compromisso coletivo que caracteriza esta primeira geração de mestres em epidemiologia de campo. Na conclusão da sua intervenção, o Professor Doutor Paulo Ferrinho fez questão de expressar uma palavra dirigida aos seus companheiros na coordenação do curso, reconhecendo o contributo essencial do Prof. Doutor Mohsin Sidat, do Prof. Doutor António Pedro Delgado, e da Prof. a Doutora Iniza Araújo. Este reconhecimento institucional sublinha o papel articulador e comprometido da equipa coordenadora na concretização bem-sucedida desta primeira edição do mestrado.
Em representação dos estudantes, a Dra. Sandra Brito expressou um profundo agradecimento pelo apoio recebido, sublinhando o impacto transformador da formação e o compromisso dos mestrandos com a ciência, a sociedade e a saúde das populações. Reforçou que esta experiência representa, para os recentes diplomados, o início de uma trajetória profissional marcada pela responsabilidade e pelo desejo de contribuir de forma ativa para o reforço da saúde pública nos seus países.
Mensagens em vídeo da Prof. Doutora Christine Stabell Benn (University of Southern Denmark) e do Doutor Michael Makanga (EDCTP3) reforçaram o impacto do programa, felicitando os estudantes e reconhecendo o papel do mestrado no reforço da prontidão para enfrentar doenças emergentes e cenários de crise climática.
A Professora Doutora Maria do Rosário Oliveira Martins, em representação do diretor do IHMT, Professor Doutor Filomeno Fortes, destacou o carácter inovador da iniciativa, sublinhando o envolvimento inédito de todos os países da África lusófona e o contributo pedagógico e científico dos docentes e investigadores envolvidos, que proporcionaram aos estudantes uma experiência formativa profundamente enriquecedora. Enalteceu o facto de, pela primeira vez, um investigador africano — o Prof. Mohsin Sidat — liderar um projeto da Universidade NOVA de Lisboa, evidenciando a internacionalização como eixo estruturante da cooperação em saúde. Dirigindo-se aos mestrandos com palavras de estímulo, sublinhou que “voltar para os vossos países e transmitirem o conhecimento aos vossos colegas e àqueles que, infelizmente, não tiveram oportunidade de integrar esta formação, é a vossa principal missão.” Incentivou ainda a continuidade da investigação, apelando para que nunca deixem de ser curiosos, pois “estamos em constante aprendizagem e isso é o que nos faz crescer como profissionais e como comunidade científica.” A professora concluiu com uma mensagem calorosa de abertura institucional, afirmando que “o IHMT está de braços abertos para acolher quem deseje aprofundar a sua investigação ou integrar os nossos programas de doutoramento.”
De seguida, o Reitor da Universidade de Cabo Verde, Prof. Doutor Arlindo Barreto, destacou o Mestrado em Epidemiologia de Campo como uma iniciativa estruturante para a formação de uma nova geração de líderes em saúde pública nos países lusófonos da África Ocidental. Sublinhou a urgência de transformar ciência em ação, num contexto de vulnerabilidades partilhadas, e considerou que esta formação representa uma resposta qualificada às fragilidades dos sistemas de vigilância epidemiológica. Dirigindo-se aos mestrandos, afirmou: “Vocês não carregam apenas diplomas, carregam a confiança dos vossos países, das vossas comunidades e das instituições que vos formaram. São agora sentinelas de saúde pública, preparados para prevenir, investigar, responder e comunicar com base em ciência e ética.”
A sessão encerrou com a intervenção institucional do Ministro da Saúde de Cabo Verde, Dr. Jorge Figueiredo, que destacou que os diplomados desta primeira edição do Mestrado representam uma geração tecnicamente preparada para enfrentar os desafios de saúde pública com uma abordagem integrada, reconhecendo a relação entre ambiente, população e saúde. Sublinhou ainda o papel estratégico que estes mestres terão no reforço da vigilância epidemiológica e na resposta a emergências sanitárias, ao serviço das suas comunidades e países.
O Seminário de Encerramento do Mestrado em Epidemiologia de Campo – Cabo Verde representou um momento culminante de celebração académica, reflexão estratégica e afirmação institucional. Ao longo de seis dias intensos e colaborativos, consolidaram-se competências científicas, reforçaram-se redes lusófonas de cooperação em saúde pública e lançaram-se as bases para uma nova geração de profissionais preparados para enfrentar os desafios epidemiológicos nos seus países. O evento encerrou com espírito de missão, confiança renovada e compromisso coletivo com a ciência, a ética e o serviço às comunidades.