No final do ano de 2019, a humanidade foi confrontada com um dos seus maiores desafios, traduzido pela emergência de um novo coronavírus, semelhante ao que, desde 2003, se conhecia como o vírus causador de síndrome respiratória aguda grave (SARS), e que veio a ser oficialmente designado de SARS-CoV-2. A infeção por este coronavírus pode traduzir-se numa variedade de apresentações clínicas, variando entre uma infeção assintomática até a um compromisso respiratório grave e potencialmente fatal. Pelo meio, associam-se-lhe um conjunto de sintomas que traduzem aquilo que designamos de COVID-19 (do inglês Coronavirus Disease of 2019).
Desde os primeiros dias da dispersão do SARS-CoV-2 pelo mundo que os testes de diagnóstico têm desempenhado um papel crucial na gestão da pandemia que este vírus veio a causar, permitindo, por exemplo, um atempado isolamento dos indivíduos infetados e a prestação, a estes, de cuidados de saúde adequados, bem como o rastreio dos seus contactos, tendo em vista a identificação, e subsequente quebra, de cadeias de transmissão.
De entre as possibilidades técnicas para testagem deste vírus, a primeira que veio a ser desenvolvida tirou partido da rapidez com que, hoje em dia, podemos analisar as características do material genético de um qualquer agente infecioso. Esta abordagem inclui aquilo que se designa de testes de amplificação de ácidos nucleicos, também conhecidos como NAAT (do inglês Nucleic Acid Amplification Tests). Estes testes, permitem fazer o que o seu próprio nome sugere, ou seja, amplificar partes de um qualquer material genético, que no caso deste vírus é constituído por uma molécula de RNA, mesmo quando presente em quantidade muito reduzida numa determinada amostra biológica. Aquilo que muitos de nós conhecemos hoje em dia como os “testes de PCR” incluem-se dentro do grupo dos NAAT. Apesar de serem muito sensíveis e específicos, o seu tempo de resposta (tempo até à obtenção de um resultado) implica várias horas de espera, são dispendiosos, requerem a utilização de infraestruturas dedicadas, equipamento especial e só podem ser executados por técnicos devidamente treinados.
Diariamente, são efetuados muitos milhões de testes NAAT para diagnóstico de infeção por SARS-CoV-2 nos laboratórios de todo o Mundo. No entanto, considerando que o número de pessoas infetadas continua a aumentar, isto faz aumentar, igualmente, a necessidade de testar cada vez mais. Contudo, a demanda por testes sensíveis e específicos continua a superar a oferta, especialmente se se pretender uma identificação, o mais exata e precoce possível, dos casos de infeção ativa, também chamada infeção aguda. O objetivo é, então, saber quem está infetado o mais precocemente possível, de forma a poder isolar essas pessoas e, assim, limitar a dispersão do vírus.
É certo que, como uma das outras potenciais opções para o diagnóstico de infeções por SARS-CoV-2, este pode ser feito através da avaliação da resposta imune ao vírus, traduzida pela deteção (e por vezes mesmo quantificação) de anticorpos antivirais. Contudo, devido ao tempo que esta resposta demora a concretizar-se, ela não permite a identificação das situações de infeção aguda. É neste contexto que os chamados testes de deteção de antigénio (Ag) surgiram como uma alternativa particularmente apelativa pois, para além de menos dispendiosos, mais fáceis e rápidos de executar que os testes de NAAT, podem permitir a deteção de infeções agudas.
Os testes de diagnóstico rápido (também conhecidos como RTDs, do inglês Rapid Diagnostic Tests) para deteção de antigénios (doravante designados RTD-Ag), permitem detetar a presença de proteínas (i.e. antigénios) virais em secreções respiratórias (naso/orofaringe), sendo que, muito frequentemente, o alvo de deteção é a designada proteína da nucleocápside (ou, simplesmente, proteína N). Uma vez que estes antigénios fazem parte da estrutura do próprio vírus, se este estiver presente, à priori, o teste revelará uma infeção aguda/ativa. Diz-se à priori, porque, na realidade, estes testes são particularmente eficientes na avaliação de infeciosidade, mais do que deteção de uma infeção. Tal acontece, porque os vírus a serem revelados numa amostra (traduzindo, portanto, uma infeção) têm de estar presentes acima de um valor mínimo que permita a sua deteção. Assim sendo, se uma amostra for colhida cedo demais (pode não existir, ainda, vírus suficiente) ou tarde demais (o número de partículas virais na amostra colhida já baixou relativamente a uma colhida no “pico de infeção”), estes testes podem dar origem a falsos negativos, ou seja, o indivíduo em causa está infetado, mas o teste indica que não. Os RDT-Ag para COVID-19 são, então, particularmente eficazes na identificação de infeções ativas quando as cargas virais são elevadas e os indivíduos infetados são, portanto, mais infeciosos (normalmente 1 a 3 dias antes do início dos sintomas e durante os primeiros 5 a 7 dias após o início dos sintomas).
Apesar das suas inúmeras vantagens, convém alertar para o facto de que a precisão dos RDT-Ag depende de vários fatores. Entre eles incluem-se o tempo desde o início da infeção, a concentração do vírus na amostra (como acima se salienta), a qualidade e o processamento da amostra colhida, o intervalo entre a colheita e a execução do teste (que deve ser o menor possível), a utilização correta do teste, bem como a sua formulação (já que nem todos os testes são exatamente iguais).
Uma vez que um resultado negativo num teste RDT-Ag não pode excluir, formalmente, uma infeção por SARS-CoV-2, a interpretação de um resultado de um destes testes não deve ser separada de um contexto epidemiológico e do propósito que se pretende atingir. Por exemplo, no contexto de rastreio periódicos (em que a testagem individual ocorre independentemente de haver, ou não, razões para suspeitar de uma infeção) um resultado positivo de um teste de RTD-Ag deverá ser interpretado como uma possível infeção (consulte a norma 019/2020 da DGS, aqui). Contudo, para fins de diagnóstico, um resultado positivo, deverá ser, sempre que possível, confirmado por um teste alternativo, normalmente de tipo NAAT. Ainda assim, resultados positivos num teste RDT-Ag executado a partir de uma amostra colhida de um contacto assintomático com um caso de COVID-19 podem ser úteis para rapidamente, aumentar os esforços de rastreamento e isolamento desses contatos.
De uma forma genérica, desde que os testes utilizados para RTD-Ag cumpram os critérios mínimos de desempenho definidos pela Organização Mundial da Saúde (isto é, ≥80% de sensibilidade e ≥97% de especificidade em comparação com um NAAT aprovado pela OMS), um resultado positivo normalmente indica infeção por SARS-CoV-2 ativa quando usado em ambientes onde SARS-CoV-2 é comum. Mais informações sobre como interpretar corretamente os resultados do teste podem ser encontrados na figura 1 (adaptada de um documento originalmente disponível aqui). Apesar da sua inegável utilidade, a utilização de RDT-Ag não é recomendada em ambientes (ou populações) onde seja muito baixa a prevalência de COVID-19 (por exemplo, na triagem em pontos de entrada como são os aeroportos, antes da uma viagem, ou imediatamente antes de uma cirurgia) se não estiver imediatamente disponível um teste de confirmação por NAAT. Nestas circunstâncias, em comparação com os verdadeiros resultados positivos, a taxa de falsos positivos é elevada, o que faz baixar o chamado valor preditivo positivo do teste utilizado, ou seja, a nossa capacidade de identificar casos de infeção perante um resultado positivo num teste diagnóstico.
Figura 1 – Algoritmo para testagem baseado na utilização de testes de diagnóstico rápido de antigénio (RTD-Ag).
Autor: Comissão de Saúde Ocupacional, Biossegurança e Qualidade (CoSOBQ)