A ideia foi defendida por Ricardo Mexia na reflexão sobre “Os desafios de comunicar saúde em tempos de pandemia e globalização” – tópico do penúltimo webinar da 2ª série dedicada a “Como reorganizar os Sistemas de Saúde na era COVID-19“. Decorrida a 24 de julho, a sessão virtual foi palco de reflexão sobre a comunicação em saúde na era da globalização e em tempo de pandemia. O encontro online contou também com a participação de Dulce Salzedas num debate moderado por Helda Freitas, Diretora Nacional de Saúde de Angola e Maria Rosário Martins, Professora do IHMT-NOVA.
A par da Saúde e da Economia, a pandemia do vírus SARS-CoV-2 revelou-se um desafio no domínio da comunicação, sendo os profissionais desta área “parceiros-chave para a disseminação da informação”, afirmou Helga Freitas numa nota introdutória. O papel que desempenham é “de elevada importância na comunicação direcionada às massas sobre os riscos para a saúde impostos pela COVID-19, incluíndo as medidas que a população deve tomar para se proteger, reduzindo assim a probabilidade de contágio.”
“Em todo o mundo, os jornalistas podem ser usados como participantes na literacia em saúde”
Tomando a palavra, Dulce Salzedas, jornalista da televisão SIC, afirmou que uma das maiores dificuldades dos jornalistas que escrevem sobre a área da sáude, e que é “transversal a todas as sociedades”, reside em “conseguir triar a informação técnica e científica para a população que nos vai ouvir” e, considerando a população mais vulnerável, “os ganhos em saúde são maiores se essa população perceber o que lhes é dito”.
Como primeiro ponto-chave destacou o papel dos jornalistas como “veículo tradutor de informação em saúde”, no sentido em que “se essa informação for passada de forma correcta constitui uma forma de prevenção e de dar literacia às populações”. Desta forma, defende que “em todo o mundo, particularmente nas sociedades menos desenvolvidas ou populações muito vulneráveis, os jornalistas podem ser usados como participantes na literacia em saúde”.
“As fake news em saúde derivam da má percepção da realidade científica”
Na visão da jornalista, as “notícias falsas”, “Fake news” ou a “desinformação” em saúde resultam da “má percepção da realidade científica”, pelo que o seu combate passa por “explicar o que se quer dizer numa linguagem fácil de perceber para os cidadãos”.
Outro grande obstáculo diz respeito à “dificuldade em recorrer a fontes credíveis, que nem sempre são as fontes oficiais”. De acordo com Dulce Salzedas, as fontes credíveis “são os especialistas com reconhecida experiência na área em questão” – como os especialistas em Saúde Pública e Epidemiologia no caso do coronavírus; diferente das fontes oficiais que “são as governamentais, importantes quando se fala em dados ou números oficiais”. Esta é uma dificuldade sentida por todo o mundo e em particular “na Europa, em África e na América latina”, porque “é mais fácil para o público entender ou acreditar numa fonte credível do que numa fonte oficial”.
“As pandemias, as doenças e a saúde têm de ter frases fortes e simples para que todas as pessoas percebam”
O tipo de comunicação utilizada entre os vários sectores é igualmente importante para o sucesso da comunicação e, neste âmbito, Dulce Salzedas admitiu que “a comunicação que temos em saúde não é a comunicação mais eficaz”. Referindo as diferenças na comunicação usada ao longo da pandemia em Portugal, destacou positivamente o slogan que marcou o início do confinamento: “Fique em casa”. “Esta frase-chavão levou-nos e obrigou-nos a ficar em casa. E não vai ser esquecida”. Em oposição, “não houve qualquer mensagem forte que nos levasse a desconfinar”.
Para Dulce Salzedas “a mensagem é extraordinariamente importante quando se fala em comunicação de risco em saúde, sobretudo numa pandemia”. Como afirmou, quando as mensagens são compreendidas “as pessoas previnem-se e conseguem ganhos em saúde”. A jornalista defende que “tornar fáceis as mensagens em saúde é provavelmente a forma mais fácil de chegar às populações”. O objetivo final é “ter uma boa comunicação que leve a uma boa prevenção dos cidadãos, que os ensine e aumente a literacia em saúde”, reforçou.
“Esta pandemia veio mostrar que a comunicação tem um papel chave em Saúde Pública”
Por seu turno, Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, começou por salientar que “jornalismo em saúde” e “comunicação em saúde” não são sinónimos, “possuem técnicas concretas e diferentes”, o que leva à ocorrência de “equívocos” que, consequentemente, “fazem com que a comunicação não chegue de forma ideal às pessoas”.
Sabendo que a COVID-19 é transmissível pessoa-a-pessoa, “o comportamento das pessoas é fundamental”, pelo que “a comunicação enquanto mecanismo para tentar fazer com que as pessoas adoptem comportamentos mais seguros e mais saudáveis, tem um papel determinante”, frisou.
De acordo com o professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa, “a pandemia só se controla em três eixos”, que envolvem “os cidadãos com os comportamentos mais seguros e mais saudáveis; os operadores económicos das diversas atividades que têm que encontrar soluções para minimizar o risco; e depois o Governo e o Estado que têm de dotar o país da capacidade de resposta dos meios para combater o problema” descreveu Ricardo Mexia acrescentando que “há aqui muito espaço para a comunicação em saúde”.
“Comunicar saúde e comunicar o risco é parte da gestão do risco”
No palco nacional e internacional tem-se assistido “a alguns equívocos em relação a decisões ou comunicação pouco assertiva”, que resultam em “comportamentos de maior exposição ao risco”, assim como em “comportamentos eles próprios geradores de problemas de saúde”. Neste sentido, para quem tem responsabilidade o especialista em Saúde Pública adverte: “Muita cautela na forma como comunica e o que comunica”.
Mais ainda, Ricardo Mexia chamou a atenção para a “mistura entre o discurso técnico e o discurso político”. Na sua perspectiva, nem sempre os políticos devem apropriar-se de discursos técnicos “porque não dominam bem todos os conceitos e isso pode gerar equívocos por parte da população”. Adicionalmente, “cabe aos técnicos fazer uma comunicação muito clara de conceitos técnicos para que sejam perceptíveis pelas pessoas”, referiu.
“A comunicação do risco e a comunicação em geral no contexto das pandemias é particularmente difícil”
De acordo com o especialista, a Organização Mundial da Saúde preconiza a comunicação de risco no contexto da emergência de problemas de saúde pública em três dimensões: “confiança da comunicação, integração da comunicação na estrutura de resposta à pandemia e práticas de comunicação de risco que importa serem adoptadas”.
Entre estas, destaca a confiança sublinhando que “é fundamental que as pessoas percebam que quem lhes está a transmitir a informação está a fazê-lo de forma clara, transparente e sem outros interesses que não os da saúde das populações”. Porém, em particular nesta pandemia “estamos a trabalhar num contexto de tremenda incerteza”, o que tornou “difícil transmitir e assumir que há de facto coisas que nós não sabemos e que estamos a aprender à medida que vamos evoluindo”.
“Construir um ambiente de mútua confiança e transmissão de informação clara e credível é o fundamemto para toda uma estratégia de comunicação em saúde”
Para que a comunicação seja eficaz é necessário que esteja “alicerçada em toda a estrutura de resposta”, sendo cada vez mais reconhecida a importância de ter “equipas de comunicação” presentes em “reuniões de tomada de decisões de ordem técnica, muitas delas com implicações do ponto de vista da comunicação”. É disso exemplo a inclusão de profissionais na área da antropologia nas equipas envolvidas no combate à última epidemia por ébola, que “devido ao contexto social implicava uma percepção clara da cultura das comunidades e de como iriam reagir às recomendações”.
De igual modo realçou a importância de “considerar os sistemas de informação e a utilização de métricas” na comunicação e a necessidade de haver na capacidade de resposta um investimento em recursos humanos com “formação de equipas destinadas à comunicação em saúde”, assim como “em espaço adquirido nos meios de comunicação social”.
O também presidente da secção de Controlo de Doenças Infecciosas da Associação Europeia de Saúde Pública (EUPHA) considera ainda fundamental na comunicação de risco “o planeamento e o desenho das mensagens a transmitir”, numa estratégia de “antecipação dos problemas”, sem esquecer a monitorização da comunicação de modo a “identificar as mensagens que não estão a chegar e que têm de ser reforçadas”.
“Cada pessoa tem que assumir o papel de responsabilidade de proteção na sociedade”
A Diretora Nacional de Saúde de Angola, Helga Freitas, teve oportunidade de partilhar os desafios que este país enfrenta na comunicação em saúde, que se prendem com “a comunicação de informação com transparência”. A informação deve ser “confiável, oportuna e frequente, numa linguagem que as pessoas entendam”, realizada “através de canais apropriados, de modo que as pessoas possam tomar decisões para adopção de comportamentos adequados para mitigar os efeitos da pandemia”. Contudo, este desafio agrava-se “pelo baixo nível de escolaridade e baixa taxa de alfabetismo da população em geral, da diversidade de línguas nacionais que são faladas em todo o território nacional, bem como a falta de acesso aos meios de comunicação e imagem, devido à falta frequente de energia elétrica em algumas zonas”, especificou.
De acordo com a especialista, “é fundamental que cada pessoa e cada família faça parte da estratégia de comunicação”, salientando o trabalho conjunto desenvolvido entre as Administrações Municipais, os Governos Provinciais para os municípios e as Comissões de Moradores com o intuito de “assumir um papel na monitorização da população e apoiar na comunicação de risco”, considerando fundamental “cada pessoa conhecer os riscos e saber de facto como prevenir a si, a família, a comunidade, a província e o país”. Para Helga Freitas, a estratégia de comunicação é “o grande sucesso enquanto não tivermos tratamento ou vacina, pelo que cada pessoa tem que assumir esse papel de responsabilidade de proteção de si próprio, da sua família e da sua comunidade”.
Saiba mais sobre os desafios à comunicação em saúde e assista à discussão destes tópicos no vídeo do webinar.