O principal objetivo do 5º Congresso Nacional de Medicina Tropical foi estabelecer uma plataforma para debater temas de políticas e sistemas de saúde, abordados da perspetiva do seu contributo para a universalidade dos cuidados de saúde nos Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), nomeadamente:
- a governança e regulação do sector da saúde,
- o planeamento estratégico em saúde,
- a força de trabalho e desafios associados ao planeamento, formação e utilização,
- o acesso universal aos cuidados de saúde de qualidade com especial atenção para grupos vulneráveis tais como grávidas, crianças, insuficientes renais, portadores de doença respiratória crónica, viajantes e migrantes;
- o crescente papel das tecnologias de informação e comunicação (TICs) nos sistemas de saúde.
A temática incidiu também sobre a saúde materno-infantil, doenças de transmissão vetorial (malária, tripanossomoses, zika e dengue), infeções micobacterianas (lepra e tuberculose) e doenças sexualmente transmitidas tais como a infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH).
A importância dos temas trouxe ao Congresso a Diretora Regional da OMS para África, Dra Matshidiso Moeti, que na sua palestra sobre cobertura universal em saúde enalteceu os progressos da região africana, bem como as lições aprendidas no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio. A Diretora Regional recordou os grandes desafios dos países africanos para alcançarem a Cobertura Universal em Saúde no âmbito dos ODS, nomeadamente as iniquidades sociais, o sub-financiamento dos sistemas de saúde e a problemática dos recursos humanos.
A sessão de abertura contou também com a conferência do Dr Leonardo Simão – Director Executivo da Fundação Joaquim Chissano e Presidente da Fundação Manhiça, que falou do quadro epidemiológico dominante em África, caracterizado pelas doenças transmissíveis associadas à pobreza e o peso crescente das doenças crónicas, associados a fatores de risco tais como o tabagismo, o alcoolismo, o sedentarismo e alimentação desequilibrada.
A sessão solene de abertura contou com a presença do Magnifico Reitor da Universidade Nova de Lisboa – Professor Doutor João Sàágua.
PRINCIPAIS CONCLUSÕES:
- O planeamento sustentável em saúde foi apontado como uma via para concretizar os ODSs. Deve contemplar o equilíbrio entre fatores sociais, ambientais e económicos na resposta às necessidades das gerações presentes e futuras. Para tal é fundamental envolver pessoas, instituições e vários sectores na procura de soluções que garantam equidade e qualidade das intervenções a nível local.
- No tocante à regulação dos sistemas de saúde constatou-se que diferentes contextos determinam os modelos de regulação nos vários países, com distintas visões e abordagens, nomeadamente no que se refere à questão de existir uma única entidade reguladora da saúde ou várias para atenderem diferentes áreas, como por exemplo a regulação farmacêutica. Por outro lado, a independência das instituições reguladoras da saúde foi questionada, pois em alguns países os Ministérios da Saúde assumem funções de regulação, inspeção e prestação de serviços, deixando espaço para conflito de funções. Contudo, ficou claro que, a função reguladora do Estado se afigura como fundamental para assegurar o acesso dos cidadãos a cuidados de saúde de qualidade.
- Em relação às particularidades dos sistemas de saúde de países insulares, foram referidos desafios comuns tais como as dificuldades de economia de escala, o isolamento e a vulnerabilidade a catástrofes naturais; que se repercutem de forma negativa no financiamento, organização e acesso das populações aos cuidados de saúde. Estas dificuldades dão origem a um elevado número de evacuações internas e para o exterior dos países. O reforço das infra-estruturas locais, o recurso à telemedicina, a formação contínua e a motivação e fixação dos recursos humanos foram vistos como soluções para alargar os cuidados de saúde às localidades remotas. Estes desafios interpelam outros sectores de desenvolvimento e exigem estratégias intersectoriais e multidisciplinares por parte dos governos a níveis central e local.
- A aplicação de tecnologias de informação e comunicação (TICs) em alguns países da CPLP, resultou no reforço dos sistemas de saúde e no aumento da sua eficácia e eficiência, destacando-se os benefícios em termos de organização, acesso a cuidados especializados, formação contínua e aconselhamento de profissionais. Contudo, a complexidade destas soluções levanta desafios tais como interoperabilidade dos sistemas informáticos, a dependência da indústria tecnológica e a resistência à mudança por parte de alguns profissionais e utentes dos serviços de saúde.
- Um dos painéis de discussão defendeu que não há melhoria dos cuidados de saúde sem serviços de diagnóstico laboratorial de qualidade. As experiências analisadas mostraram a importância: a) da prestação global e acessível de cuidados e com o mínimo de desperdício; b) da colaboração intersectorial para preparação e resposta a zoonoses com potencial epidémico através da abordagem uma só saúde (One Health Approach) c) da luta contra a resistência aos antibióticos; d) de programas de gestão de qualidade; e) da urgência de testes rápidos incluindo tecnologias de “point of care” f) da cooperação e trocas de experiência entre países em matéria de redes de laboratórios de diagnóstico; e g) da colaboração entre entidades públicas e privadas.
- Uma das mesas-redondas debateu sobre os modelos de serviços de saúde para viajantes; tendo sido constatada a necessidade de formação para utilização pertinente das vacinas e medicamentos de acordo com os destinos dos viajantes. Também se sentiu a necessidade de se melhorar a produção e disseminação de informação de qualidade e atualizada, assim como aperfeiçoar o acesso dos viajantes a serviços de saúde estruturados de acordo com as suas necessidades.
- Sendo a migração um fenómeno global, os participantes consideram que a saúde dos migrantes constitui um assunto de considerável importância. A iniquidade do acesso aos serviços de saúde, a marginalização e o estigma devido a condição de migrante, aumentam a vulnerabilidade desta população, com efeitos negativos sobre a sua condição de saúde. Os sistemas de saúde devem encontrar respostas apropriada para solução dos problemas de saúde dos migrantes.
- A problemática dos recursos humanos para a saúde foi debatida em três mesas redondas. Abordaram-se os desafios relacionados com a formação de uma força de trabalho competente e resiliente com competências adequadas aos novos padrões demográficos e epidemiológicos. Entretanto, observou-se que as pressões do mercado e as práticas corporativas dificultam estes processos, devida à fraca capacidade de regulação dos Estados. Com efeito, alguns profissionais abandonam o setor público optando pelo sector privado, ONGs e outras agências de saúde, deixando um vazio difícil de colmatar.
- Por outro lado, concentração de profissionais de saúde em grandes cidades em detrimento das áreas remotas foi considerada como problemática e um dos grandes impedimentos da cobertura universal em saúde.
- Em relação ao planeamento da força de trabalho em saúde constatou-se que os PALOPs apresentam diferentes experiências, motivadas pela história e pelos contextos distintos, apesar das semelhanças partilhadas. As lideranças políticas, a gestão baseada em evidências, a estabilidade institucional e a descentralização no planeamento da força de trabalho foram apontadas como aspetos que deverão contribuir para maiores investimentos e rentabilização do capital humano para a saúde. O Congresso realçou a necessidade de se prestar uma atenção especial ao planeamento estratégico dos profissionais de saúde pública com vista a responder aos novos desafios quantitativos e qualitativos da cobertura universal em saúde.
- Sobre as parcerias entre os países: foram discutidas as experiências de desenvolvimento de parcerias entre Estados Membros da CPLP, no contexto da Organização Oeste Africana de Saúde e no trabalho do IHMT. O IHMT foi a primeira instituição na CPLP a implementar a “Research Fairness Initiative”, que promove o respeito pelos princípios éticos e a implementação de boas práticas. A coordenação das parcerias e o seu alinhamento com os sistemas nacionais de saúde é fundamental para se atingir o desenvolvimento sustentável. Os problemas existentes são complexos e é fundamental que os países atuem sinergicamente, respeitando os princípios da diversidade, equidade e justiça social.
O congresso decorreu em sessões plenárias, e sessões paralelas, contando com a participação de técnicos, cientistas e académicos de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, do IHMT/UNL, OMS, OOAS e do Secretariado da CPLP.
Durante a sessão de encerramento sob presidência do Sr Professor Doutor Paulo Ferrinho, foi proferida uma conferência sobre “Conceitos, Obras e Figuras na Medicina Tropical” pelo Professor Doutor Jorge Torgal.
A Direcção do IHMT por último reconhece e agradece publicamente os patrocínios das empresas, laboratórios e outras agências que ajudaram na realização deste Congresso.
O próximo Congresso de Medicina Tropical será dentro de dois anos.