Numa entrevista concedida ao Jornal Diário do Porto Canal, Celso Cunha, director da Unidade de Microbiologia Médica do IHMT, comentou as recentes orientações da Direção-Geral da Saúde à luz dos resultados reportados sobre a viabilidade do vírus SARS-CoV-2 em várias superfícies.
“Não há ainda um estudo que permita inequivocamente dizer se podemos ser contaminados através do contacto com as superfícies levando depois as mãos à boca e ao nariz”
Referindo-se às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) relativas à limpeza e descontaminação de superfícies no âmbito da COVID-19, Celso Cunha afirmou que “a OMS lembra que já foram feitas várias investigações sobre a viabilidade do vírus em diferentes superfícies, que varia entre algumas horas no cobre e dias noutras superfícies, como por exemplo as máscaras”. Sublinhou, no entanto, que “os testes foram feitos em ambiente laboratorial e em condições onde não havia práticas de limpeza e desinfeção normais”, o que requer uma interpretação “cautelosa” destes dados.
Não obstante, o virologista alerta que “devemos continuar a não descurar as medidas de higiene habituais, nomeadamente a lavagem das mãos com água e sabão – que é a medida mais eficaz de prevenção da infeção contra este vírus – além do uso de máscara e da manutenção de distância de segurança”. Embora “o contacto com as superfícies seja provavelmente uma via de contaminação menos eficaz, não podemos de maneira nenhuma descurar neste momento, pelo que todas as medidas que têm sido tomadas até aqui mantém-se válidas”, acrescentou.
Quanto à utilização de desinfectantes na limpeza das ruas, referiu que esta é uma prática não recomendada porque, se por um lado “a probabilidade de uma pessoa ser infectada por contacto com o chão das ruas ou com um vidro de uma montra é muito baixa”, por outro “a fumigação ou o tratamento das ruas com químicos pode ser mais prejudicial à saúde dos transeuntes do que propriamente a infeção por coronavirus”, não sendo por isso uma medida custo-benefício a favor da proteção contra a infeção por COVID-19.
O tempo estival pode não influenciar a viabilidade e transmissão do SARS-CoV-2
Os estudos que avaliaram a viabilidade do vírus nas superfícies foram também realizados à temperatura de 37ºC. De acordo com o virologista, “a viabilidade com que o vírus se manteve a essa temperatura em diferentes superficies leva-nos a crer que durante este próximo verão, mesmo com calor, não haverá influência na viabilidade e na transmissibilidade deste vírus”. Apesar de não haver ainda dados concretos, este cenário pode ser diferente no outono, uma vez que “aparentemente com o aumento da humidade e com alguma chuva poderá ser possível reduzir a capacidade de transmissão e viabilidade do vírus”.
Na perspetiva do especialista a segunda vaga da doença vai surgir independentemente das condições climatéricas e frisou que “a severidade da segunda vaga vai depender apenas do modo como nos comportarmos no dia-a-dia e do modo como conseguirmos ter disciplina e acatarmos as decisões e as recomendações da DGS”, salientando que “esse é o principal factor que vai influenciar a gravidade, o pico ou a intensidade da segunda vaga”.
As mutações detetadas no genoma de SARS-COV-19 colocam em risco o desenvolvimento de uma terapêutica que se mantenha eficaz no futuro?
“Teoricamente é possível, mas pouco provável”. Como explicou, “em Portugal foram identificadas 150 mutações no genoma de SARS-CoV-2, mas desde a publicação da primeira sequência deste vírus já foram detectadas em todo o mundo mais 7500 mutações, todas elas aparentemente sem grande significado em termos de transmissibilidade, virulência, gravidade da doença e de sintomatologia”, enumerou. O professor apela à cautela na valorização desta informação, uma vez que “neste momento não há nenhuma evidência de que estejam relacionadas com alteração ou sequer com a tendência de alteração de comportamento do virus”, esclareceu Celso Cunha.
Assista aqui à entrevista completa publicada pelo Porto Canal.