O infeciologista e professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-NOVA), Kamal Mansinho, participou no webinar sobre “COVID-19 em meio hospitalar”, promovido pelo Projeto “IANDA Guiné Saúde” no dia 15 de janeiro, onde focou a segurança hospitalar em COVID-19 em alguns contextos geográficos, nomeadamente no dos países de expressão portuguesa. A moderação da sessão esteve a cargo de Filomeno Fortes, diretor do IHMT-NOVA, e de Luís Sambo, professor catedrático convidado do mesmo instituto.
Partilhando a sua experiência na área da segurança hospitalar em COVID-19, Kamal Mansinho começou por afirmar que “as instituições de saúde hospitalar de alguns países de expressão portuguesa por vezes fragmenta-se em várias unidades de cuidados de prestação assistencial, com níveis de prestação diferentes”, e apesar da propagação da SARS-CoV-2 em África ter sido mais lenta e com um impacto direto abaixo do nível observado nos continentes asiático, europeu e americano, “o aumento acelerado e exponencial do número de novos casos de COVID-19 constatado e referido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) exige rápidas respostas, que se espera que sejam concertadas e integradas, para que falhas que alguns países experienciaram em vagas anteriores possam ser evitadas”.
O controlo da COVID-19 deve ter em consideração “a menor disrupção na prestação de assistência a outras doenças não-COVID”, sublinhando-se que “o aumento da prevalência das doenças crónicas não-infeciosas aumenta significativamente a vulnerabilidade à COVID-19”, um fenómeno observado também em “muitos países do continente africano, particularmente na população que habita em zonas urbanas e nas grandes capitais”.
No continente africano a tuberculose, malária e a infeção pelo VIH/SIDA, permanecem como “as três patologias infeciosas mais mortais e as ameaças graves à saúde pública, independentemente de termos de preparar-nos para esta pandemia” e, acrescentando a estes fatores a sobrecarga desta nova pandemia no desempenho de sistemas de saúde – “que são frágeis e que começam a revelar sinais de repercussões importantes na sustentabilidade de alguns ganhos de saúde que foram adquiridos nesta última década” –, torna-se “importante e necessário abordar a segurança hospitalar em COVID-19 com uma visão integrada e consertada para tirar o maior partido das dificuldades dos recursos de que dispomos”.
“Os profissionais de saúde, os doentes admitidos em estabelecimentos de saúde por motivos não-COVID, os alunos e os visitantes são particularmente vulneráveis à transmissão nosocomial da infeção por SARS-CoV-2”
Segundo o orador, face ao contexto pandémico vivido atualmente e aos diferentes níveis de pressão exercidos sobre os vários sistemas de prestação de cuidados, “os profissionais de saúde manifestam já sinais muito claros de exaustão” com “decisões muito difíceis de triagem dos doentes” e com o estigma “que é tanto relativamente a quem está doente como a quem trata estes doentes”. “Todos nós sentimos a dor da perda dos doentes e dos colegas, além do risco de nos infetarmos, e esta pressão”, acrescenta, “sentimo-la no passado em relação à infeção por VIH e mais recentemente com a epidemia de ébola na África ocidental, onde foram comuns estas características que estamos agora a identificar em profissionais de saúde”.
A “escassez de recursos humanos”, “o número reduzido de camas de cuidados intensivos” – o que faz com que “os cuidados diferenciados tenham de ser prestados em enfermarias não equipadas para cuidados intensivos, acrescendo a sobrecarga de trabalho e o risco de infeção dos profissionais de saúde e dos doentes que ali se encontram” – a adoção lenta aos planos para controlo de infeção hospitalar devido às “várias prioridades simultâneas que acabam por criar sobressaltos na implementação de medidas”; e a “capacidade laboratorial limitada”, foram as limitações destacadas pela OMS como mais importantes na capacidade de resposta à COVID-19 em muitos países africanos.
Em países tropicais há ainda a salientar a dificuldade de diagnóstico, visto que “muitos doentes podem apresentar uma doença febril causada por agentes transmitidos por vectores”, como é exemplo o surto agora em curso de febre de Lassa, que “apresenta algumas manifestações iniciais sobreponíveis à COVID-19” e coloca “sérios problemas de logística, de triagem e de isolamento de cada um destes doentes quando a infeção não é simultânea”.
“É do somatório dos controlos ambientais, no controlo da fonte a partir da máscara que o doente coloca e dos equipamentos de proteção individual, que conseguimos evitar que o profissional de saúde seja infetado”
Na ausência de situações potencialmente aerossolizantes (como aspiração e manobras de intubação), “a transmissão ocorre fundamentalmente por via aérea, através de gotículas e aerossóis infeciosos, emitidas durante um acesso de tosse, respiração normal ou quando as pessoas falam ou cantam”, afirmou o infeciologista advertindo que “os doentes assintomáticos infetados por SARS-CoV-2 também transmitem infeção às pessoas não infetadas através destas partículas”, razão pela qual a OMS indica que “a utilização de máscara deve ser o mais ampla possível para evitar essa contaminação”, sendo também relevante “manter a distância mínima entre 1,5 e 2 metros do utente, assegurando a proteção”.
Como explicou o especialista, além de “controlar a fonte (máscara)” é fundamental ter controlo ambiental por engenharia, designadamente “janelas que permitam arejamento do quarto e luz solar que permita uma boa radiação ultravioleta” ou ainda “controlos que permitam a insuflação do ar para o exterior”. É também importante “o controlo administrativo do ponto de vista da revisão de alguns destes equipamentos” e, por fim, “o equipamento de proteção adicional”, sublinhando-se que “todos os profissionais devem ser treinados a vestir e a despir o equipamento de proteção individual”.
“Uma parte apreciável dos profissionais de saúde infetam-se na comunidade e não quando prestam assistência”
Sobre o risco de infeção de um profissional de saúde, Kamal Mansinho esclareceu que o risco é alto, médio ou baixo consoante o profissional contacte, respetivamente, com “um doente com diagnóstico confirmado de COVID-19”; “com alguém que não tem infeção confirmada, mas tem sintomas e aguarda diagnóstico”; ou “com a comunidade em geral ou com os doentes com outras patologias em enfermarias que não sejam de medicina ou doenças infeciosas”.
No geral, as pessoas de baixo risco “podem prestar assistência desde que corretamente equipados e cumprindo regularmente as medidas”. Nos casos pontuais em que há comorbilidades de alto risco e a idade possa constituir um fator de risco, deve-se “discutir individualmente e reforçar as medidas para mitigar a exposição ao doente infetado”.
“O que é válido para a comunidade também o é para a prevenção ao nível da segurança hospitalar”
A terminar a sua intervenção, Kamal Mansinho reforçou que as medidas de controlo estabelecidas para a comunidade – lavagem das mãos, distanciamento físico, etiqueta respiratória, utilização de máscara e limpeza de superfícies – “também se aplicam na comunidade hospitalar”.
Sobre a lavagem das mãos, salienta que nas realidades em que a água potável nem sempre é acessível, deve fazer-se “uma gestão criteriosa da água para que os profissionais possam lavar as mãos” ou, em alternativa, “utilizar soluções alcoólicas que permitam fazer a desinfeção das mãos”, sendo que a decisão das condições a criar “dependerá da região geográfica e da localização de cada unidade sanitária”.
Por outro lado, os doentes devem procurar atempadamente os cuidados de saúde “sem receio de serem contaminadas”, salientando que este é um problema “muito importante do ponto de vista da comunicação e da confiança que devemos procurar construir em conjunto com a comunidade”.
Deve ainda evitar-se o ajuntamento de pessoas, que em meio hospitalar ocorre “em espaços comuns onde se tira a máscara para fumar, comer e conversar”. Destacou ainda a importância da promoção de alimentação e hábitos de vida saudáveis como “uma medida adicional para contenção da transmissão, tanto na comunidade como no hospital”, porque “se o profissional de saúde se infetar será também um transportador da infeção para a comunidade”.
Kamal Manisnho reiterou que “a maioria dos profissionais de saúde infetados com COVID-19 contraíram a doença fora do ambiente hospitalar”, um efeito observado em particular na época do natal e que resultou na redução do número de profissionais a prestar assistência medica em enfermaria, “o que nesta altura da pandemia é critico do ponto de vista da pressão que todos assistimos e da necessidade que precisamos de ter”, rematou.
Saiba mais e assista à discussão destes tópicos no vídeo do webinar.