Aquele que é à data o maior estudo acerca da emergência e disseminação da tuberculose multirresistente em Portugal aponta para a sua emergência nos anos 70, através de duas estirpes distintas que permanecem em circulação até aos dias de hoje, e de uma trajetória evolutiva marcada pela acumulação de resistência a diversos antibacilares. Este novo estudo hoje publicado na revista científica Nature–Scientific Reports resultou da análise genómica de 207 isolados clínicos de Mycobacterium tuberculosis, o agente etiológico da tuberculose, obtidos e caracterizados ao longo de duas décadas em Portugal e regiões autónomas.
O estudo revelou a presença de duas estirpes endémicas: Lisboa3 e Q1, que tendo sido previamente identificadas em Lisboa, é agora demonstrada a extensa disseminação da estirpe Lisboa3 em território nacional incluindo Regiões Autónomas dos Açores e Madeira. É agora também revelado que ambas as estirpes identificadas como maioritariamente responsáveis pelos casos de tuberculose multirresistente em Portugal tiveram provável origem em Lisboa mas que devido à sua disseminação se encontram a circular e evoluir de forma independente em várias regiões do país, albergando combinações únicas de mutações associadas à resistência aos antibacilares usados na terapêutica desta doença infeciosa.
É ainda identificado um conjunto de marcadores genéticos específicos para estas estirpes que dada a sua associação à multirresistência e resistência extensiva serão da maior importância no desenvolvimento de testes moleculares mais rápidos para a sua identificação e rastreamento epidemiológico. A utilização destes mesmos marcadores na triagem de um vasto conjunto de genomas representativos da diversidade global desta espécie revelou ainda a presença destas estirpes em países como o Brasil, Mali, Reino Unido e Suíça tendo Portugal como ponto de partida o que, simultaneamente, alude ao potencial de disseminação global destas estirpes.
Coordenado por Isabel Portugal e João Perdigão, professora e investigador da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e do seu Instituto de Investigação do Medicamento (iMed.ULisboa), este trabalho contou ainda com a participação do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, que esteve na frente do diagnóstico laboratorial destas estirpes resistentes aos fármacos desde os anos 90 do sec. XX, e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, bem como de vários hospitais e laboratórios hospitalares a nível nacional. Contou ainda com o apoio e colaboração da London School of Hygiene and Tropical Medicine na sequenciação e caracterização genómica destas estirpes.
De acordo com as mais recentes estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) a Tuberculose é atualmente a décima causa de morte a nível mundial tendo, em 2018, sido responsável por aproximadamente 1.2 milhões de mortes em indivíduos HIV-negativos e 251 000 mortes entre indivíduos co-infetados pelo HIV. Os inúmeros esforços desenvolvidos com vista à diminuição da incidência e controlo permanecem ameaçados pelas formas resistentes do M. tuberculosis. Estando atualmente sob controlo em Portugal, depois de 20 anos de luta contínua contra estas formas resistentes, importa nunca baixar o grau de alerta e vigilância destas formas para que não se repitam os surtos vividos nos anos 90 e 2000, sendo este trabalho hoje publicado um contributo importante para o conhecimento da epidemiologia molecular, evolução para a resistência e diagnóstico molecular precoce destas formas resistentes de tuberculose endémicas de Portugal.
Nature – Scientific Reports: Using genomics to understand the origin and dispersion of multidrug and extensively drug resistant tuberculosis in Portugal