Os coronavírus (ou CoV, Figura 1) comportam um grande grupo de vírus, alguns dos quais patogénicos para o Homem, cujas infeções, normalmente, estão associadas a manifestações clínicas do foro respiratório, sem grande gravidade, nas quais se incluem algumas constipações. Contudo, em situações excecionais, as infeções causadas por qualquer um dos coronavírus humanos (HCoV-229E, o HCoV-NL63, o HCoV-OC43 e o HCoV-HKU1) podem evoluir para pneumonias e bronquiolites graves, especialmente em idosos, crianças e pessoas imunodeprimidas. Para além dos sintomas respiratórios, estes coronavírus humanos podem causar doenças com manifestações intestinais e neurológicas. Na última década, no entanto, dois novos destes vírus revelaram-se à ciência como agentes infeciosos altamente patogénicos para os humanos, causando infeções potencialmente letais. São eles os coronavírus responsáveis pelas síndromas respiratórias aguda severa (conhecidos como o coronavírus SARS (do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus) ou SARS-CoV, e o coronavírus da síndrome respiratória do médio oriente, conhecido como coronavírus MERS-CoV (do inglês Middle East Respiratory Syndrome-related Coronavirus).
Ambos os vírus SARS-CoV e MERS-CoV têm uma origem zoonótica, ou seja, o seu reservatório natural são animais, em particular algumas espécies de morcegos. As infeções sintomáticas que causam em humanos manifestam-se com febre acompanhada de sintomatologia respiratória grave (o MERS-CoV causa, igualmente, sintomatologia renal).
No início do mês de dezembro de 2019, a cidade de Wuhan (na província de Hubei, na China) foi palco da emergência de um novo coronavírus causador de pneumonia potencialmente grave, o qual veio a ser designado inicialmente por 2019-nCoV (ou novo coronavírus de 2019; do inglês novel coronavirus). Embora os primeiros casos de infeção, traduzidos sob a forma de pneumonia, tenham sido identificados em frequentadores de um mercado de peixe (Huanan Seafood Wholesale Market), rapidamente novas infeções foram detetadas em indivíduos não-frequentadores deste mercado. Não se conhecida, até hoje, se a fonte original destes vírus está, ou não, ainda ativa, mas tal como em situações anteriores, rapidamente se tornou evidente que este vírus poderia ser transmitido entre humanos infetados. Hoje em dia parece claro que este novo coronavírus pode ser transmitido pessoa-a-pessoa por via aérea (dentro de partículas superiores a 5 micra), pelo contacto direto com secreções infeciosas ou por aerossóis em procedimentos terapêuticos que os produzem (inferiores a 1 mícron). Julga-se que a transmissão de pessoa-a-pessoa ocorra durante uma exposição próxima a pessoas infetadas, através da disseminação de gotículas respiratórias produzidas quando uma pessoa infetada tosse, espirra ou fala, as quais podem ser inaladas ou pousar na boca, nariz ou olhos de pessoas que estão próximas. No entanto, em geral os coronavírus podem igualmente permanecer viáveis (i.e. manterem a sua infecciosidade) durante alguns dias no ambiente, sendo que este período depende, por exemplo, da temperatura ambiental ou da exposição da radiação ultravioleta. Assim, a transmissão destes vírus ao Homem pode ocorrer quando as mãos, contaminadas por contacto, por exemplo, com superfícies onde estes vírus se possam ter depositado, são levadas aos olhos, ao nariz ou à boca. De qualquer forma, este vírus também pode ser prontamente inativado. Para tal, basta expô-lo durante alguns minutos a (i) uma solução contendo álcool diluído a 70%, (ii) água oxigenada não diluída (10 volumes), ou soluções a 0,1% de hipoclorito de sódio. A Direção Geral da Saúde (DGS) emitiu orientações sobre limpeza e desinfeção de superfícies em estabelecimentos de atendimento ao público ou similares, assim como na sua casa.
As análises genéticas realizadas até hoje permitiram verificar que o novo coronavírus pertence ao mesmo agrupamento que inclui o SARS-CoV, identificado há mais de 10 anos. Por essa razão, a designação do novo coronavírus como 2019-nCoV foi substituída por SARS-CoV-2, ou seja, trata-se do segundo coronavírus do grupo SARS. A doença por ele provocada foi, entretanto, igualmente designada de COVID-19 (do inglês coronavirus disease of 2019). A infeção pode ser assintomática, mas mesmo nestes casos os indivíduos infetados podem transmitir este vírus a outros, especialmente durante os primeiros dias após a infeção, em que a replicação viral no trato respiratório superior (em particular no nariz e na nasofarínge) é particularmente produtiva. Os sinais e sintomas clínicos que caracterizam a COVID-19 são muito variados sendo que os mais frequentes incluem febre, tosse, mal-estar e dificuldade respiratória, com lesões invasivas nos dois pulmões, e parecem surgir depois de um período de incubação que pode variar entre 2 a 12 dias. Em casos mais graves, a infeção pode causar pneumonia, síndrome respiratória aguda grave, insuficiência renal e até morte (https://www.who.int/health-topics/coronavirus). Embora o vírus possa infetar pessoas de todas as idades, ele parece ser particularmente agressivo para indivíduos com idade superior a 65 anos apresentando co-morbilidades (ex: diabetes, hipertensão, problemas hepáticos ou imunossupressão causada, por exemplo, por problemas do foro oncológico).
A origem do SARS-Cov-2 não foi, ainda, absolutamente esclarecida, mas este vírus parece ter tido uma origem zoonótica. Num estudo recentemente publicado na revista Nature foi indicado que o SARS-CoV-2 é muito semelhante do ponto de vista genético a outros circulantes (na China) nas populações naturais de morcegos-de-ferradura da espécie Rhinolophus affinis, em particular a um designado Bat-CoV-RaTG13, o qual partilha uma identidade com o SARS-CoV-2 de 96%, mas que não possui capacidade de infetar células humanas. Apenas uma pequena porção do genoma do SARS-CoV-2 é diferente da do genoma destes vírus de morcegos, mas uma região a ela muito semelhante foi já detetada em coronavírus de pangolins-malaios. Este facto apoia a hipótese de que o SARS-CoV-2 possa ter resultado de uma combinação genética natural entre dois coronavírus com dois hospedeiros animais diferentes. De facto, e por analogia ao que se verificou com o SARS-CoV e o MERS-CoV, cuja adaptação aos humanos aparentemente envolveu a infeção de hospedeiros intermediários, como civetas ou camelos, o SARS-CoV-2 provavelmente foi transmitido aos seres humanos a partir de um outro animal. Curiosamente, um coronavírus semelhante a SARS-CoV-2 foi detetado em amostras de pulmão de dois pangolins malaios mortos, o qual veio a ser designado Pangolin-CoV. Em particular, a região de interação da proteína S com o recetor destes vírus é mais semelhante à de SARS-CoV-2 que a de Bat-CoV-RaTG13 o que sugere que as espécies de pangolins possam ser um reservatório natural de CoVs do tipo SARS-CoV-2.
Numa análise mais genérica, os resultados acima referidos remetem para uma origem natural deste vírus. Num artigo publicado na revista Nature Medicine, a origem do SARS-Cov-2 foi novamente analisada com cuidado, e as conclusões deste estudo deslocam a ênfase na hipótese de que este vírus possa ser uma construção humana que, de forma deliberada ou acidental, tenha sido libertada no ambiente. Pelo contrário, as conclusões deste estudo apontam, mais uma vez, para uma origem natural deste vírus. De facto, a evolução do SARS-CoV-2 parece tê-lo dotado de uma série de características que permitem que ele se ligue, com elevada eficiência, a uma proteína designada ACE2 (a enzima conversora da angiotensina 2) localizada à superfície de vários tipos de células, sendo que esta ligação, eficiente e estável, parece facilitar a dispersão viral de pessoa-para-pessoa. Do ponto de vista técnico, estas características incluem a inserção de 12 nucleótidos codificando uma região poli-básica de clivagem por uma proteína humana designada furina, bem como de três locais de O-glicosilação adicionais. Muito provavelmente, estas características foram naturalmente adquiridas pelo SARS-CoV-2 na sua dispersão inicial entre humanos infetados, o que permitiu a sua “adaptação natural” à espécie humana. As análises genéticas que têm resultado da sequenciação de genomas completos deste vírus indicam, claramente, a existência de duas linhagens genéticas principais (designas A e B), cada uma das quais evidenciando sub-linhagens. Estas diferentes variantes virais estão em circulação, mas algumas apresentam uma distribuição geográfica assimétrica o que significa que resultam de evolução local do vírus. Igualmente, estas análises genéticas mostram que algumas posições de algumas proteínas virais parecem estar sob pressão seletiva positiva (tendem a acumular diferenças que se traduzem pela mudança de aminoácidos entre as estirpes virais comparadas). No entanto, não está, ainda esclarecido se estas diferenças traduzem, ou não, em diferentes graus de virulência viral.
Dada a conservação da sequência de aminoácidos da proteína ACE2 entre diferentes espécies de mamíferos, a capacidade do SARS-CoV-2 de os infetar foi avaliada quer por inoculação de várias linhas de células de mamíferos, quer simulada computacionalmente. Curiosamente, a Organização Mundial da Saúde Animal foi já notificada de 3 casos de infeção em animais de companhia de indivíduos infetados com SARS-CoV-2 (2 cães e 1 gato). No entanto, destas observações não é permitido excluir-se a possibilidade que a transmissão viral possa ter ocorrido de forma passiva, sem que o vírus tenha replicado nos animais em questão os quais se mantiveram assintomáticos e dos quais não foram isolados vírus infeciosos. Curiosamente, um estudo recentemente, confirmou que embora o SARS-CoV-2 não replica de forma eficiente em cães, porcos, galinhas ou patos, a sua eficiência replicativa em furões e gatos é grande e, aparentemente, pode ser transmitido entre gatos através de gotículas respiratórias. Igualmente, também o Laboratório Nacional Veterinário do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) reportou a notícia da infeção de um tigre do Parque Zoológico Bronx de Nova York, sendo que a infeção deste animal deverá ter ocorrido a partir de um dos seus tratadores, infetado com este vírus de forma assintomática.
Neste momento, o SARS-CoV-2 já foi detetado numa vasta área geográfica, que abrange todos os continentes à exceção da Antártida. Apesar do início da dispersão geográfica deste coronavírus ter tido origem na China Continental (província de Hubei), os focos de transmissão têm vindo a variar geograficamente ao longo do tempo. De facto, depois da China continental ter sido o principal palco de transmissão deste vírus no início do ano, hoje em dia os principais focos de transmissão estão localizados na Europa e na América do Norte, em particular nos Estados Unidos (E.U.A.). É certo que mais de 573.288 destas infeções foram já fatais (à escala do globo), mas é igualmente verdade que mais de 7.268.022 indivíduos infetados já recuperaram totalmente (para obter informações em tempo-real clique aqui). Em Portugal (acompanhe a situação aqui), onde a dispersão epidémica do SARS-CoV-2 mantém-se numa fase exponencial, foram já registados mais de 46.818 casos confirmados de infeção por este vírus (a 12 de julho de 2020), sendo as regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto as regiões mais afetadas. À semelhança do que tem acontecido um pouco por toda a Europa Continental, a epidemia de SARS-CoV-2 em Portugal obrigou à declaração de Estado de Emergência (decretado a 18 de março e prolongado até 2 de maio), o qual restringe a mobilidade dos cidadãos e no âmbito da qual se sugere, vivamente, atitudes de distanciamento social, de forma a abrandar a dispersão do vírus, e aliviar, tanto quanto possível, a pressão sobre o sistema nacional de saúde.
Desde o início desta epidemia que as autoridades Chinesas disponibilizaram informação sobre as características genéticas do vírus SARS-CoV-2 em diferentes bases internacionais de dados genómicos. Tal facto possibilitou que no início de janeiro, um trabalho liderado por investigadores do Centro Alemão de Pesquisa de Infeções (na Charité-Universitätsmedizin, em Berlim, Alemanha) se tivesse traduzido no desenvolvimento de um novo ensaio laboratorial para detetar o novo coronavírus Chinês, baseado na deteção do seu material genético. O protocolo do ensaio foi recentemente publicado pela OMS como uma diretriz para deteção de diagnóstico, e poderá ser aplicado a material respiratório (zaragatoas nasofaríngeas e orofaríngeas em doentes em ambulatório, expetoração (se produzida) e/ou aspirado endotraqueal em doentes com doença respiratória mais grave). Esta metodologia tem vindo a ser aperfeiçoada e existem já disponíveis várias alternativas igualmente sensíveis e específicas (para obter informação técnica sobre este assunto clique aqui), que permitirão a confirmação (ou não) laboratorial da infeção no espaço de algumas horas.
O movimento massivo das pessoas pelo planeta rapidamente permitiu a dispersão global do novo coronavírus e a 30 de janeiro de 2020, a OMS tomou, no final do mês de janeiro, a decisão de considerar esta situação como uma emergência de saúde pública de interesse internacional tendo em conta os riscos de contaminação com este vírus, e os seus impactos na saúde pública.
Neste momento a situação em Portugal está a ser atentamente acompanhada pela DGS. A população pode obter esclarecimentos diretos através do SNS24 (808 24 24 24), consultando as questões mais frequentes no microsite COVID-19 da DGS (clique aqui), ou acedendo aos documentos com informações disponibilizados aqui. A linha de Apoio Médico (300 015 015) mantem-se, igualmente, ativada para esclarecimento dos médicos e validação de eventuais casos suspeitos de infeção pelo SARS-CoV-2.
Mesmo que tenha respeitado todas as regras recomendadas pelas autoridades de saúde:
- esteja atento ao aparecimento de febre, tosse ou dificuldade respiratória;
- verifique a temperatura corporal se achar necessário e registe os valores;
- verifique se alguma das pessoas com quem convive de perto, desenvolve sintomas (febre, tosse ou dificuldade respiratória);
- Caso se encontre com febre, com tosse ou dificuldade respiratória (o próprio ou nos seus conviventes), não se desloque de imediato aos serviços de saúde;
- Telefone antes para o SNS24 (808 24 24 24) ou para outras linhas dedicadas ao atendimento de doentes, nomeadamente COVID-19, entretanto desenvolvidas nalguns locais (ACES e USF; por exemplo), e siga as orientações que lhe forem comunicadas.
Recomenda-se também:
- Lavar frequentemente as mãos com água e sabão, esfregando-as bem durante pelo menos 20 segundos;
- Reforçar a lavagem das mãos antes e após a preparação de alimentos, antes das refeições, após o uso da casa de banho e sempre que as mãos estejam sujas;
- Usar, em alternativa, para higiene das mãos, uma solução à base de álcool;
- Usar lenços de papel (de utilização única) para se assoar;
- Deitar os lenços usados num caixote do lixo e lavar as mãos de seguida;
- Tossir ou espirrar para o braço com o cotovelo fletido, e nunca para as mãos;
- Evitar tocar nos olhos, no nariz e na boca com as mãos sujas ou contaminadas com secreções respiratórias;
Ligações de Interesse:
Sítio da DGS com informações sobre o novo coronavírus 2019-nCoV
Atualizações relativas ao surto disponibilizadas pela OMS
Microsite do Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC) para a COVID-19
Definição de caso, e vigilância de COVID-19 na Europa (referência pelo ECDC)
Outros sites de interesse:
https://www.ecdc.europa.eu/en/publications-data/rapid-risk-assessment-cluster-pneumonia-cases- caused-novel-coronavirus-Wuhan
https://www.who.int/csr/don/en/
https://www.who.int/health-topics/coronavirus
https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/index.html
Dossier atualizado a 8 de abril