A Direção-Geral da Saúde (DGS) organizou a 22 de janeiro o webinar COVID-19: Experiência de uma pandemia, no qual foi palestrante Inês Campos-Matos, doutorada em Saúde Internacional pelo IHMT-NOVA. A epidemiologista e médica de Saúde Pública abordou o trabalho que tem vindo a desenvolver na Public Health England da University College of London no contexto da pandemia, num debate moderado pelos especialistas da DGS André Peralta Santos, diretor de Serviços de Informação e Análise, e Pedro Pinto Leite, chefe da Divisão de Epidemiologia e Estatística.
A Public Health England (PHE) – a agência nacional do governo inglês de Saúde Pública –dedica-se à preparação para fazer frente a desastres ambientais, promoção da saúde e proteção da população contra doenças transmissíveis e doenças não transmissíveis, apoia ainda o serviço nacional de saúde inglês, assim como exerce um papel na área da Saúde Global com outros atores de saúde pública internacionais.
Aquando do aparecimento da COVID-19 e “com base nos planos de preparação pandémica, a PHE criou várias pequenas equipas para apoiar a resposta nacional à COVID-19”, direcionadas para orientações clínicas, investigação, equipas internacionais e uma equipa de epidemiologia (Epi cell), que “trabalham de perto com outros ministérios e, de acordo com uma hierarquia bem estabelecida, reportam ao Secretário de Estado e ao Ministro da Saúde ingleses”.
A Epidemiology cell é a equipa que dá apoio à produção de indicadores e planeamento da pandemia por COVID-19
O trabalho desenvolvido pela Epi cell consiste na “gestão e verificação da qualidade da informação epidemiológica”, “preparação dessa informação para fazer publicações epidemiológicas e partilhá-las com outras equipas”, bem como a realização de “análises epidemiológicas para informar decisões”, focando três áreas: os casos, a morte por COVID-19 e a análise de clusters, que corresponde a “surtos ou agrupamentos de casos”.
No que respeita à metodologia, a especialista referiu que “a Epi cell faz a deduplicação dos dados relativos aos testes COVID-19 realizados pelos laboratórios do serviço nacional de saúde, laboratórios de referência e laboratórios privados”, para “tornar uma lista de testes numa lista de pessoas, com o resultado do seu teste (positivo ou negativo) e a data da sua realização”.
A esta lista pode ser adicionada informação sobre a ocorrência de morte – cuja informação provém do serviço nacional de saúde (mortes hospitalares), das equipas locais de Saúde Pública (mortes na comunidade), ou do instituto nacional de estatística (certificados de óbito)” – e cruzando esta informação com o sistema Demographic Batch Service, que contém dados demográficos de todas as pessoas registadas nos cuidados de saúde em Inglaterra, “é possível associar informação como dados pessoais e identificação do médico de família”.
Desta forma é obtida “uma lista bastante compreensiva com todas as pessoas que testaram positivo para a COVID-19 em Inglaterra”, que contém “identificadores pessoais (nome, data de nascimento, número NHS, morada), informações sobre o teste (local, data, laboratório) e informações sobre a morte (data, local, causas)”, sendo esta a lista principal utilizada diariamente na análise epidemiológica.
Ocasionalmente, a lista é enriquecida com outras fontes de dados tais como: 1) o Hospital Episode Statistics, “uma base de dados de todos os acontecimentos hospitalares e que fornece informação sobre a etnia”, importante para o trabalho desenvolvido; 2) informação dos cuidados primários sobre “a composição do agregado familiar”; 3) informação de classificação de residências (privada ou partilhada); 4) informação de sequências genéticas dos casos de COVID-19, “bastante importante agora com as novas variantes”, e 5) informação do HPZone, “um programa de gestão de casos e de surtos a nível local”.
“Estes dados são utilizados para realizar vários outputs com menor ou maior análise epidemiológica: outputs diários, regulares, projetos e outputs ocasionais”
Os outputs diários são “meras descrições epidemiológicas” e permitem uma visão geral do estado da pandemia no Reino Unido, sendo o Dashboard e o CO-VIS os principais. O primeiro está acessível ao público, produz todos os dias “informação sobre a curva epidemiológica com o número de casos, de mortes, o número de admissões hospitalares e o número de testes realizados no país”, disponibilizada na forma de gráficos ou mapas interativos que podem ser consultados por região e por período de tempo. Este output informa também “o número de pessoas que já recebeu a vacina e uma estimativa do R para o país”. Já o CO-VIS está apenas disponível às equipas locais de Saúde Pública, que podem “ampliar no mapa a zona sob a qual têm responsabilidade, uma ferramenta considerada bastante útil para informação sobre surtos mais localizados na sua área”.
Por seu turno, os outputs regulares, como o Relatório epidemiológico semanal e o Relatório mensal de mortalidade, são mais pormenorizados. O relatório epidemiológico semanal detalha “o número de casos, pirâmides etárias e número de mortes”; o um acesso é restrito e para dentro da PHE, sendo o objetivo “apoiar as restantes equipas no seu trabalho”. Dando como exemplo a análise do número de mortes na comunidade e em lares de idosos e a proporção destas mortes, a palestrante afirmou que esta “foi importante para os colegas responsáveis pela elaboração de orientações e gestão de surtos em lares”. O Relatório mensal de mortalidade, produzido mais recentemente, “é aberto ao público e cinge-se ao número de mortes em Inglaterra ao longo do tempo, assim como o número de mortes por etnia”, verificando-se uma “maior proporção de mortes na população caucasiana, que reflete a distribuição geográfica da população neste país”.
Debruçando-se sobre os projetos, Inês Campos-Matos focou os agrupamentos (clusters), a transmissão dentro do agregado familiar (HOSTED) e o síndrome pós-COVID (ECHOES). Como explicou a especialista, no projeto clusters é utilizado “um método que identifica endereços únicos” e que torna possível “identificar as pessoas que fazem parte do mesmo agregado ou que moram em residências partilhadas, como são os lares de idosos, residências de estudantes ou estabelecimentos prisionais”. Desta forma, “pode analisar-se o número de casos e o número de agrupamentos dentro de residências”, tendo esta ferramenta permitido “identificar o aumento do número de casos em lares durante a primeira onda da pandemia e, mais recentemente, permitiu identificar um número muito elevado de casos e de surtos dentro de estabelecimentos prisionais”, elucidou.
Por sua vez, o projeto HOSTED utiliza dados de cuidados primários de saúde para identificar pessoas no agregado familiar. Através da criação de um sistema de vigilância passiva que identifica casos secundários no agregado familiar – casos que ocorreram entre 2 a 14 dias depois do caso primário – “conseguimos identificar quantas outras pessoas nesse agregado familiar tiveram também um teste positivo”, um dado que permite identificar “a taxa de ataque secundário no agregado familiar”, determinado por casos secundários por cada 100 contactos do agregado familiar. “Esta análise permitiu ver, até ao início de novembro de 2020, que a taxa de ataque secundário dentro do agregado familiar era de cerca de 9%”, afirmou a especialista.
Ainda em desenvolvimento, o projeto ECHOES consiste num sistema de vigilância passiva sobre o síndrome pós-COVID, que visa identificar o risco de internamentos hospitalares, novos diagnósticos e mortalidade no período pós-agudo da COVID-19, em comparação com as pessoas que tiveram teste COVID-19 negativo.
Por fim, sobre os outputs ocasionais, Inês Campos-Matos deu como exemplos o Relatório de desigualdades e o Relatório de novas variantes. De acordo com a especialista, o relatório de desigualdades foi pedido pelo Chief Medical Officer para “avaliar a distribuição da COVID-19 entre áreas geográficas do país, e como essa distribuição se relaciona com a pobreza, etnia, idade, sexo e outros fatores de desigualdade”. Quanto ao Relatório de novas variantes, com análise da sua distribuição e impacto, referiu que “começou há poucos dias a produção de uma tabela que indica o número de casos e o número de mortes associadas às novas variantes que foram detetadas no país”, sublinhando que “está a ser feita uma vigilância ativa da variante Inglesa, da variante que se originou na África do Sul e as duas variantes que se originaram no Brasil”. Utilizando o projeto clusters, “observámos que no caso da variante inglesa os clusters tendiam a ser maiores do que aqueles que não estavam associados a esta variante, um dado que nos faz pensar que, de facto, esta é uma variante mais transmissível”.
Inês Campos-Matos terminou a sua exposição mencionando os trabalhos produzidos por outras equipas na PHE, com relevância no contexto pandémico. Neste âmbito destacou o Relatório de Excesso de Mortalidade, que mostra “o número de mortes a mais face aquilo que esperaríamos num ano normal”, sendo possível analisar a distribuição de acordo com vários fatores incluindo etnia e região geográfica do país, sendo possível ainda analisar “o excesso de mortalidade causado diretamente pela COVID-19, assim como o excesso de mortalidade que aconteceu por causas não-COVID”.
Outro output interessante diz respeito aos Relatórios de vigilância, semanais, que reúnem dados das mais variadas fontes e estão disponíveis online. A título de exemplo, “analisam o número de pesquisas no Google para sintomas de COVID-19 e observam que estas, não surpreendentemente, acompanham os picos da pandemia e por vezes precedem-nas, permitindo-nos desta forma identificar quando é que um pico pode estar prestes a acontecer”, sublinhou. Por outro lado, avaliam uma série de outas fontes de informação, como a “utilização de uma rede de médicos sentinela, médicos de família, que tiram amostras aleatórias de pessoas que vão ao médico de família com sintomas de COVID-19 ou de gripe e assim consegue ter uma estimativa da incidência da doença na população”.
Este webinar foi o primeiro de uma iniciativa da DGS que visa a partilha de experiências no âmbito da vigilância epidemiológica de doenças abrangidas pelo Sistema de Vigilância em Saúde Pública. Para saber mais sobre as próximas iniciativas da DGS consulte o site.