Foram as palavras de Luís Lapão durante a intervenção na sessão online “Futuro da Telemedicina e a Saúde Digital no Espaço Lusófono”, integrada na 2ª série de Webinares intitulada “Como reorganizar os Sistemas de Saúde na era COVID-19”. Esta iniciativa contou também com a participação de Artur Correia e Chao Lung Wen com vista a explorar de que forma a transformação digital pode ser um instrumento para a melhoria dos sistemas de saúde no espaço lusófono. A moderação do encontro virtual esteve a cargo do coordenador nacional da Rede Universitária de Telemedicina (RUTE), Luíz Messina, e do vogal da direção da Associação Portuguesa de Telemedicina (APT), Pedro Roldão.
Luís Lapão, investigador e professor do IHMT-NOVA, colocou o tópico da sua intervenção no papel da inovação “da resposta à COVID-19 até à gestão digital da doença crónica e grupos vulneráveis”. Como comentou, face ao impacto da pandemia por COVID-19 nas populações existe atualmente uma “melhor receptividade para a telemedicina”. Esta área pode ser relevante em cinco eixos: triagem, vigilância, monitorização, consultas de doentes crónicos e consulta hospitalar. Para o investigador, porém, tornar a telemedicina mais alargada no Sistema de Saúde requer refletir “a nível organizacional, nos protocolos de comunicação, garantir que os doentes têm condições com equipamento, a questão da segurança e privacidade, registo dos dados de forma rigorosa, a revisão de medicamentos, partilha de outra documentação. Para Luís Lapão é necessário pensar na forma como pode ser útil”, na medida em que “telemedicina é importante, mas não é a solução para tudo”.
Na sua intervenção, destacou ainda a perspectiva da telemedicina no futuro da CPLP, sublinhando que “a formação de especialistas é fundamental numa lógica de Saúde Global”. O professor considera ainda que é fundamental fomentar “a criação dos Centros de Telemedicina” – em que Cabo Verde foi pioneiro, seguindo-se Portugal e, mais recentemente, Moçambique – assim como “criar parcerias para a interoperabilidade”. “Temos que preparar as pessoas para que, em conjunto com as tecnologias, possam ajudar a fazer a transformação digital”, frisou o também auditor da Comissão Europeia para os Sistemas de Informação em Saúde.
Sobre o enquadramento da telemedicina em Cabo Verde, Artur Correia afirmou que as nove ilhas do arquipélago possuem “uma rede nacional com dois Centros de Telemedicina sediados nos dois hospitais centrais”, a partir dos quais “se fornece cuidados especializados para todos os cantos do país a nível das delegacias de saúde existentes em todas as ilhas, prestando teleconsultas com a presença do médico no local e do doente”.
O Director Nacional de Saúde de Cabo Verde salientou que a Saúde Digital compreende “a utilização de recursos de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) para produzir e disponibilizar informações confiáveis sobre o estado de saúde para quem precisa, no momento que precisa”. De acordo com o especialista em Saúde Pública com foco nas Políticas e Gestão dos Sistemas de Saúde, desde há vários anos que Cabo Verde utiliza as TIC para “o diagnóstico, tratamento, prevenção, pesquisa e avaliação, formação continua e a vigilância epidemiológica, com vista a promover a saúde individual e comunitária à distância”. A Saúde foi uma das áreas mais afectadas pela pandemia e, neste contexto, “a telemedicina tem sido pensada como alternativa para facilitar o acesso da população aos cuidados de saúde”, assim como um meio de preparação da resposta à epidemia, através “da formação de médicos e enfermeiros, que participaram em sessões clínicas nacionais e internacionais sobre a temática”. “As TICs, a saúde digital e em particular a telemedicina são muito importantes na eliminação de barreiras e no acesso a cuidados de saúde rumo à oferta de serviços para toda a população”, e este “é o grande desafio dos sistemas de saúde”, sublinhou.
“Estaremos preparados para uma próxima evolução nos cuidados em saúde?” foi a questão lançada pelo professor da Universidade de São Paulo no Brasil, Chao Lung Wen, no início da sua exposição. O especialista em Informática Médica começou por explicar que a telemedicina não é uma ferramenta, mas sim “um método de Investigação e cuidados não presenciais, usando recursos digitais interativos”. No Brasil, a pandemia permitiu que “a telemedicina fosse reconhecida através da Lei 13.989/2020 de 15 de abril de 2020”, tendo por base quarto grandes domínios de acção, designadamente “o domínio telemulticare, a Educação Digital, a telepesquisa ou rede de ciência e, por fim, o eCare para a prevenção de doenças e promoção da saúde”, enumerou. Em contexto de pandemia, a telemedicina assume um importante papel na “construção de uma rede de teleatendimento eficiente para cuidar de todas as doenças além da COVID-19”. Sobre o futuro, o também fundador da Associação Brasileira de Telemedicina afirma que no Brasil começa-se a construir “interconeções numa nuvem cognitiva”, envolvendo vários sectores da sociedade com vista ao desenvolvimento de “um grande ecossistema de reenervamento da saúde, entrando no conceito de Farmácias 5.0”. “A Telemedicina trata-se de reinventar e recriar um modelo de Sistema de Saúde mais eficiente”, sintetizou.
No decorrer do debate, Luís Lapão afirmou que “a Europa vai ter uma liderança importante sobre as abordagens e os padrões tecnológicos e de serviços na área da Saúde”. Complementando, Artur Correia referiu que a ausência de regulamentação na maior parte dos países constitui uma preocupação da Organização Mundial da Saúde. “Em Cabo Verde”, acrescentou, “existe regulamentação produzida e que acompanha a criação do Programa Nacional de Telemedicina”, ressalvando que “vamos aprendendo e inovando todos os dias com a telemedicina e vamos melhorando a resposta com a satisfação tanto dos profissionais de saúde como dos utentes”. No Brasil, a lei da Telemedicina caracteriza a teleconsulta como equivalente a consulta médica presencial, pelo que “a teleconsulta rege-se pelo código de ética médica”. Contudo, Chao Lung Wen afirmou que o maior problema no Brasil “é a falta de cursos de formação em telemedicina”. Em alinhamento com esta idea, Luís Lapão acrescentou que “é necessário educar também o doente para a dinâmica de saúde digital”, numa lógica de “acompanhamento ao longo do tempo”, envolvendo cada vez mais o enfermeiro que assume “um papel muito importante na monitorização dos indicadores de saúde”.
Por fim, os especialistas realçaram as vantagens únicas da telemedicina, especificamente a sua capacidade de servir como “equipamento de proteção individual digital” em tempos de pandemia e permitir “compreender a realidade da vida do doente” através da teleconsulta, afirmou Chao Lung Wen. Da experiência de Cabo Verde, Artur Correia acrescentou as vantagens para o Sistema de Saúde referindo que “dos doentes candidatos a evacuação da ilha submetidos a teleconsulta prévia, somente 30% são evacuadas”, o que representa “enormes ganhos financeiros, bem como sociais”, frisou.
Segundo Luís Lapão, muito se evoluiu desde que surgiu a telemedicina – “quando o homem foi à Lua” – sublinhando que é preciso entrar na telemedicina “com evidência científica”, através de “um processo científico de validação do uso da tecnologia no acompanhamento do doente, com ética, muita capacitação dos profissionais e dos utentes, para seja possível fazer telemedina com mais qualidade”.
Saiba mais sobre a transformação digital nos sistemas de saúde e assista à discussão destes tópicos no vídeo do webinar.