Numa entrevista à Agência Lusa, que decorreu na passada sexta-feira, dia 16 de agosto de 2024, a Prof.ª Doutora Ana Abecasis, da Unidade de Saúde Pública Global do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), esclareceu que a mais recente variante da Mpox, considerada uma emergência de saúde pública de interesse internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pode ser assintomática. No entanto, a investigadora frisa que esta possibilidade de transmissão ainda não é bem compreendida, aceitando a vacinação como a forma mais eficaz de combate a esta doença.
Mpox – variante clade 1
Segundo a Prof.ª Doutora Ana Abecasis, este surto de Mpox está a ser causado pela variante clade 1, proveniente da África Central, ao contrário daquilo que aconteceu em 2022, cujo surto no continente europeu foi causado pela variante clade 2, originário da África Oriental. Como tal, os sintomas podem ser diferentes:
“Estes clades têm características diferentes em termos de sintomatologias (…) O clade 2 causava erupções cutâneas menos frequentes e mais localizadas, enquanto o clade I tem erupções mais dispersas em todo o corpo, o que faz com que tenha uma sintomatologia mais severa. No entanto, sintomas como a febre, as cefaleias e as linfadenopatias são comuns em ambos“
Segundo os dados existentes, a variante clade 1 tem um nível de transmissibilidade maior entre humanos, facilitando a sua propagação. Quinta-feira, dia 15 de agosto de 2024, foi anunciado na Suécia o primeiro caso na Europa, significando que “há uma necessidade de prevenção elevada“, esclareceu a investigadora.
Taxa de mortalidade e a importância das infraestruturas e dos profissionais de saúde
A taxa de mortalidade entre estirpes não deve ser diretamente comparada. O surto de 2022 teve vários casos na Europa, que tem uma capacidade de reposta muito maior, enquanto o surto atual está, pelo menos por agora, a afetar principalmente o continente africano, onde a falta severa de infraestruturas e de profissionais de saúde tem um impacto direto mais negativo na saúde das populações.
“O que está descrito é que esta estirpe tem taxas de mortalidade mais elevadas, sendo que a informação que eu encontrei é que esta tem uma percentagem de 1 a 10%, enquanto o clade 2 tinha de 2 a 6%, mas isto também depende das áreas afetadas“
Por estes motivos, a melhor estratégia para tentar dar volta às limitações nos recursos humanos, especialmente no continente africano, é priorizar a vacinação:
“a melhor resposta (…) para colmatar este surto é através da prevenção porque, em termos de capacidade de resposta de recursos humanos em saúde para tratamentos, sabemos que temos recursos limitados nestes contextos e acaba ser mais difícil de atuar”
Produção e distribuição de vacinas e definição de grupos de risco
Neste momento há algumas questões importantes que têm que ser analisadas: a produção e a distribuição das vacinas e a priorização de pessoas de alto risco para que possam começar a ser vacinadas. Contudo, o contexto local e as diferentes capacidades de ação podem dificultar a resposta.
De acordo com a investigadora, a OMS tem uma série de recomendações, que vão desde o diagnóstico precoce, o isolamento dos casos, a notificação de parceiros, a identificação dos contactos e a vacinação, embora o número de vacinas disponíveis seja ainda baixo.
A Aliança de Vacinas GAVI, cujo presidente é Durão Barroso, tem um plano de resposta com uma verba financeira destinada a este tipo de emergências de 500 milhões de dólares (cerca de 455 milhões de euros) e anunciou na sexta-feira a criação de uma reserva global de vacinas contra a Mpox.
“Neste caso, vamos ter que garantir que estas vacinas são distribuídas de uma forma coordenada e que as entidades a nível local conseguem ir controlando os casos que surgem e identificar contactos, de forma a impedir que a epidemia alastre rapidamente”
Além disso, desde o surto anterior, em 2022, tem havido uma resposta de investigação e preparação para a varíola que em teoria significa uma melhor capacidade para lidar com o Mpox. Ainda assim, embora ainda se esteja a compreender melhor esta variante da doença, a Prof.ª Doutora Ana Abecasis considera essencial que sejam definidos grupos de alto risco
“Eu ainda não vi nada em que se definam os grupos de alto risco neste caso. Sabemos que há muitas infeções em crianças, que há transmissão vertical e, neste caso, a taxa de mortalidade é maior”
A situação em Portugal
A Prof.ª Doutora Ana Abecasis explicou em Portugal já existem cerca de 17.000 pessoas vacinadas, que eram do quadro de alto risco do surto de 2022. Ainda assim, considera que é importante existir uma gestão dos rescursos e perceber-se até que ponto se pode e deve fazer uma testagem massiva nas fronteiras:
“Tem de haver uma sensibilização, por parte dos profissionais de saúde, para a sintomatologia desta doença, ou o espetro dos sintomas, na ótica da possível existência de casos importados, para que possamos atuar de imediato para os isolar (…) não sei o que está previsto em termos de controlo das entradas de pessoas oriundas destas regiões mais afetadas, mas é importante fazer alguma vigilância, o que seria uma estratégia eficaz (…). Todas as vacinas disponíveis devem ser canalizadas para os países que estão a enfrentar surtos neste momento, mas a dada altura pode fazer sentido vacinar também a população portuguesa e aí também tem de haver uma definição de estratégia de vacinação que identifique os grupos prioritários, nomeadamente os profissionais de saúde, que têm maior probabilidade de contacto com doentes”
A entrevista em diferentes órgãos de comunicação social (ordem alfabética):
- Açoriano Oriental
- Correia da Manhã
- Diário de Notícias
- Diário de Notícias Madeira
- Diário do Minho
- HealthNews
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