Com o objetivo de refletir sobre as desigualdades em saúde no mundo, na Europa e em Portugal, sob a perspetiva de diferentes visões e com o contributo de especialistas da sociologia à comunicação, da física à economia, sem esquecer os profissionais da área da saúde, reuniram-se 5 novembro no IHMT NOVA mais de uma centena de pessoas para participar e assistir ao seminário “Saúde para todos? Combater as desigualdades”.
Na abertura da iniciativa, o diretor do IHMT, Filomeno Fortes, alertou para as grandes disparidades ao nível dos cuidados de saúde no mundo. “Quando começamos a comparar os vários continentes essas desigualdades acentuam-se de uma forma violenta, porque estamos a falar de saúde global. Estamos todos em risco de sofrer epidemias”, sublinhou.
Descobrir o porquê das desigualdades
A socióloga Alexandra Lopes, doutorada na London School of Economics, na especialidade de Social Policy, uma das oradoras do painel “Causas e consequências das desigualdades em saúde”, mostrou preocupação com o fosso acentuado que ainda existe entre países e pessoas, considerando que a explicação para as disparidades continua muito centrada no indivíduo, na base comportamental e nos estilos de vida. “A continuada ênfase na responsabilidade individual continua a ser o modelo dominante na intervenção em saúde, esta é uma abordagem que tende a ilibar a estrutura social de qualquer responsabilidade, mesmo que essa responsabilidade seja discursivamente reconhecida”, sublinhou a professora Universidade do Porto. Neste momento, existe o desafio de pensar as desigualdades sociais, com uma compreensão multidimensional, para além desta dicotomia indivíduo/estrutura, procurando “a causa, das causas das causas”.
A médica interna e aluna do Curso de Especialização em Saúde Pública Vera Leal Pessoa, com base no Relatório da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde – Portugal (OMS 2010), alertou que “em todos os níveis de rendimento, a saúde e a doença seguem uma gradação social: quanto mais baixa a posição económica, pior o estado de saúde. Corrigir as diferenças na saúde, entre e dentro de países, é uma questão de justiça social”.
Mais ricos vivem mais anos e com menos doenças
Julian Perelman, doutorado em Economia da Université Catholique de Louvain e professor da Escola Nacional de Saúde Pública, alargou o debate para a perspetiva económica, lembrando que vários autores, como Michael Marmot, já alertaram que as pessoas mais ricas vivem mais anos e passam mais anos sem doenças. “Três quartos da população não chega à idade da reforma sem doenças, portanto se queremos aumentar a idade da reforma temos que combater as desigualdades para termos um impacto positivo na economia”, afirmou. O especialista refletiu sobre o contributo da economia na saúde e vice-versa, sublinhando que existe sempre uma implicação política. “Esta não é apenas uma questão teórica e filosófica, tem consequências muito concretas nas políticas públicas”, alertou.
O ex-Diretor Geral de Saúde Constantino Sakellarides, licenciado em medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa, mestre e doutor em Epidemiologia e Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública da Universidade do Texas (EUA), um dos intervenientes na iniciativa, questionou precisamente a ausência da classe política no encontro, mas Paulo Ferrinho, coordenador do CESP e mentor da ideia do seminário, lançou um apelo aos jovens médicos na plateia para que sejam os primeiros a fazer a diferença no terreno. “Depois de 20 anos de convivência com as questões relacionadas com as desigualdades em saúde, fiquei muito satisfeito porque chegámos ao dia de hoje com reflexões que não devemos perder. Importa que estes médicos quando forem para o terreno não esqueçam o que ouviram e que sejam capazes de implementar mudanças” defendeu Paulo Ferrinho para quem ter capacidade de liderança é o mote da mudança.
A importância dos primeiros anos de vida e do ambiente
No fecho do seminário, Paulo Ferrinho sublinhou igualmente a importância de ter atenção aos primeiros anos de vida, o local em que as crianças vivem e crescem, defendendo abordagens integradas para a compreensão das desigualdades na saúde. “O peso à nascença tem um impacto nos resultados a matemática, mas o maior gap é explicado pela condição social das famílias onde essas crianças crescem”, lembrou na sua intervenção Julian Perelman. Numa visão complementar às ciências sociais, o físico Pedro Mota Soares fez uma intervenção sobre como as desigualdades ambientais influenciam a saúde e se projetam em Portugal. Nas conclusões do encontro, Paulo Ferrinho lembrou que a questão do ambiente não pode ser esquecida. “Não é só o que os Governos vão fazer, é o que fazemos em nossa casa, o que comemos, a forma como arrumamos o lixo, a forma como convivemos com o consumo e nos fazemos transportar. A nossa forma de estar na vida e conviver com o ambiente é muito importante”, afirmou.
Mas como minimizar as desigualdades?
Na mesa “Intervenções com impacto na redução de desigualdades”, o professor catedrático jubilado do IHMT Gilles Dussault lembrou a importância da cobertura universal de saúde, de uma prestação de serviços igual para todos e a necessidade de oferecer um acesso equitativo aos serviços (sem discriminação face ao estatuto social, capacidade de pagar, origem étnica, religião ou orientação social). O investigador considerou que as “políticas que melhoram o acesso equitativo aos trabalhadores de saúde contribuem para um acesso mais equitativo aos serviços e para combater as desigualdades evitáveis em saúde”.
O médico interno e aluno do CESP, João Paulo Magalhães, lembrou na mensagem final como orador na mesa “O que se faz e o que falta fazer em Portugal” que é necessário ter em atenção uma multiplicidade de fatores para minimizar as desigualdades na saúde. “A educação, a habitação, a alimentação e o clima são exemplos de formas de construção na saúde”, alertou.
Rita Espanha, professora do ISCTE e coordenadora do projeto Inquérito à Literacia em Saúde em Portugal, veio lembrar neste seminário o papel da comunicação na promoção global de saúde, considerando que esta é fundamental para os cuidados de saúde, a saúde pública e a forma como a sociedade encara o setor. A OMS reconhece que “uma comunicação eficaz, integrada e coordenada é essencial para o cumprimento de uma das suas principais metas: ‘construir um futuro melhor e mais saudável para as pessoas em todo o mundo’”.